A Preciosa Guirlanda 03 – Cap 3 As Dez Coisas Em Que Confiar (Parte 1)

As dez coisas em que confiar:

1. Confiar no santo lama que possui realização e compaixão.

2. Confiar no local de meditação isolado, prazeroso e abençoado.

3. Confiar em companheiros estáveis com os quais se está de acordo com a visão, meditação e conduta.

4. Confiar na moderação lembrando-se dos defeitos dos objetos de subsistência.

5. Confiar imparcialmente nas instruções da linhagem dos siddhas.

6. Confiar em substâncias, medicamentos, mantras e na interdependência profunda cmo sendo benéficos para sai e para os outros.

7. Confiar em alimentos adequados à sua constituição e no caminho para liberação.

8. Confiar no dharma e no caminho da conduta que beneficia a experiência.

9. Confiar nos discípulos afortunados que possui fé e respeito.

10. Confiar na plena atenção e consciência por meio dos quatro modos de conduta.

AS DEZ COISAS NAS QUAIS DEVEMOS CONFIAR – COMENTÁRIOS KHENPO KARTHAR RIMPOCHE:

Em seguida, discutirei as dez coisas em que devemos confiar, a fim de gerar as qualidades associadas com a prática do Dharma. Desta forma as virtudes que cultivamos na prática do Dharma irão florescer e que não serão prejudicadas ou atingidas por quaisquer defeitos.

primeira coisa em que devemos confiar é um Guru Santo que possui realização e compaixão. O lama deve possuir realização, porque um mestre que não tem realização ou experiência efetiva é como uma pintura da água, que não pode saciar a nossa sede, ou uma pintura do fogo, que não pode nos aquecer. Portanto, o lama deve possuir compaixão. Se a lama só tem realização, mas não tem compaixão, ele ou ela não irá ensinar ajudando os seres sencientes a desenvolver qualidades virtuosas e abandonar os defeitos. Assim, a primeira coisa em que devemos confiar é em um lama que possui tanto realização como compaixão.

segunda coisa em que devemos confiar é em um local solitário, prazeroso e esplendoroso para praticarmos. Tendo recebido completamente as instruções do Lama com as qualidades descritas, temos que confiar em tal ambiente, a fim de colocar essas instruções em prática.

O ambiente deve ter quatro características: em primeiro lugar, deve ser um lugar de solidão. Devemos estar isolado das distrações, caso contrário não seremos capazes de praticar. Em segundo lugar, ele deve ser agradável, e isso significa um lugar onde não estejamos afligidos por frio ou calor excessivo ou outras coisas que perturbam a mente e o corpo, criando obstáculos para a prática. Em terceiro lugar, deve ser esplendoroso, o que significa um lugar que tem sido envolvido pelo esplendor dos Siddhas da linhagem. Se possível, é melhor um ambiente onde os grandes praticantes do passado já tenham praticado nele. Caso contrário, um lugar solitário e agradável já é suficiente. Em quarto lugar, o ambiente deve ser um deserto ou lugar selvagem. O termo tibetano é gompa, que também significa mosteiro. Mas aqui isso não significa um mosteiro formal, onde há stupas e onde lamas e monges estão vivendo. Isso significa um lugar que está a uma distância razoável de outras habitações, e não no meio de uma cidade onde existem distrações.

terceira coisa em que devemos confiar é em companheiros que estão em harmonia com nós mesmos, na conduta  e na força de vontade. A primeira característica, a harmonia na visão, significa que as pessoas com quem vivemos e prática devem ter o compromisso, assim como nós somos de alcançar a liberação. A segunda, a harmonia na conduta, significa que os nossos companheiros e amigos também adotam todas as condutas apropriadas, quer seja a de um monge completamente ordenado, um novato ou um discípulo leigo. A terceira característica, ter uma boa atitude, significa que eles estão livres da paranóia que criam situações de desarmonia intensa, que o conflitam com os objetivos da prática. Em outras palavras, não devemos viver com pessoas que estão constantemente pensando: “Ele está com raiva de mim. Ela está com ciúmes de mim. Eu não gostei do jeito ele que disse isso. Eles estão causando problemas. Seria melhor me livrar deles”, e assim por diante. Eles não devem ter de uma mentalidade que cria desarmonia. Assim, a terceira coisa em que devemos confiar é companheiros que possuem essas três características. Se depender desses companheiros, ao invés destes serem fontes de distração nossos companheiros nos ajudarão a alcançar a libertação, e nós poderemos fazer o mesmo.

quarta coisa que devemos confiar é no modo de vida moderado, tendo reconhecido os defeitos dos excessos. Se não formos moderados na forma em que exigimos os alimentos, roupas, etc, vamos enlouquecer buscando estas coisas. Moderação consiste em ter roupas suficientes e abrigo para não congelar ou ficarmos sem-teto, e comida o suficiente para não morrer de fome. O objetivo é usar essas condições externas para nos manter a fim de praticar. Devemos evitar preocupações excessivas questionando se as coisas são prazerosas ou não, por exemplo, o sabor da comida que comemos. É recomendado que tomemos o nosso sustento, como se fosse um medicamento. Quando você está tomando remédio para curar uma doença que você não pensa “Gosto deste medicamento O gosto é bom, é doce Eu não gosto deste remédio; Isto não tem um gosto muito bom.” Você o toma, porque ele vai curar a doença. Da mesma forma, você deve comer e beber para sobreviver, para que você seja capaz de praticar, e não para apreciar o sabor da comida. Além disso, se você está constantemente tentando adquirir melhor comida,  a melhor roupa, e assim por diante, o esforço de tentar adquirir essas coisas cria uma grande dificuldade. Então, se você adquiri-los, tornam-se fontes de distração, pois sua mente está voltada para apreciá-los ao invés de praticar o Dharma. Você acaba sendo atormentado por apego. Assim, é importante ser cuidadoso e atento com o uso dos recursos externos.

Foi dito pelo Buda que se você comer mais do que precisa, torna-se um obstáculo à meditação. Você começa a se sentir pesado, e muito de sua energia é dirigida para o processo de digestão que não restará nada para a meditação. Recomenda-se que você preencha um terço do seu estômago com comida, um terço com líquido, e se deixe um terço vazio. A questão não é medir a quantidade de comida consumida, mas simplesmente que esta seja apropriada para o consumo e que seja regular.

quinta coisa é que devemos confiar imparcialmente nas instruções da linhagem dos Siddhas. Isto significa que não devemos ser demasiadamente seletivos. Não devemos pensar, “Eu vou escolher isso, mas vou deixar aquilo de fora. Posso esquecer isso. Aquilo não se aplica a mim. Eu não preciso disso.”Isso significa ter um respeito imparcial e veneração para todas as instruções autênticas que vêm das linhagens diferentes de yogis despertos. É importante receber formalmente a transmissão (lung) e a instrução (tri) para o qualquer tema que estivermos estudando. No entanto, também é adequado ler textos de instruções profundas que encontrarmos. É bom fazê-lo de maneira imparcial porque neste momento não sabemos o que irá  desencadear a nossa realização. Entre as instruções que encontrarmos, nós ainda não sabemos qual delas que pode gerar a compreensão da natureza da mente. Portanto, é importante não rejeitar qualquer instrução autêntica que surge em nosso caminho.

sexta coisa é que devemos confiar em substâncias, remédios, mantras, e várias condições que são benéficas para nós mesmos e para os outros. Não devemos desenvolver a atitude: “Eu sou um yogi de grande realização e, portanto, eu não preciso de nada Se eu ficar doente eu não preciso de remédios, eu não preciso ter cuidado em qualquer coisa externa…”. Enquanto você não tiver aperfeiçoado sua realização, de alguma forma você está à mercê de seu corpo, que é composto por quatro elementos. Portanto, você tem que gerar as condições que sustentam o equilíbrio destes elementos, tudo aquilo que traz boa saúde. Você não deve rejeitar um tratamento médico correto, tampouco outros métodos profundos que são benéficos para sua saúde.

Da mesma forma que você não deve negar essas coisas para os outros. Você não deve pensar que não há benefícios para os outros ou que seja algo superficial ou sem importância proporcionar remédios, alimentos e outras coisas, porque tudo isso tem um genuíno benefício para os demais se forem adequadamente administrados. Você não deve pensar: “Eu sou um yogi, seguindo a tradição de yoga. Posso rejeitar a ciência. Posso rejeitar a medicina. Estas são coisas mundanas de nenhum significado duradouro.” Na verdade, todas estas coisas que podem ser de grande benefício não devem ser rejeitadas.

sétima coisa é que temos de confiar no alimento adequado com nosso estado de saúde e constituição, e métodos que praticam aquilo que está de acordo com os nossas capacidades.

No que se refere a comida, não é importante realmente gostar da comida que você come. Se um alimento é doce e delicioso mas prejudicial para a sua saúde, você deve evitá-lo. Se você encontrar um alimento desagradável, mas muito benéfico para a sua saúde e longevidade, você deve confiar nele.

Em relação à prática do Dharma, esta deve ser de acordo com a sua compreensão e habilidades. Se alguém tem uma atitude muito limitada, pavor dos atos profundos e da profunda compreensão dos Bodhisattvas é melhor que essa pessoa a pratique o veículo menor, porque ele ou ela será naturalmente atraído para a paz de libertação e desejará escapar dos sofrimentos do samsara. Seria inapropriado para essa pessoa ir diretamente para a prática Mahayana. Da mesma forma, alguém que chegou ao ponto de ser capaz de praticar o Mahayana, mas que não tem fé ou compreensão real do Vajrayana ou mantra secreto, deveria praticar o Mahayana, e em particular o Sutrayana. Os ensinamentos Vajrayana são especialmente profundos e podem levar ao estado de unidade, o estado de Vajradhara em uma vida, mas isso não pode acontecer com alguém que não tem fé neles e não tem nenhum conhecimento sobre seu verdadeiro significado. Por esta razão, embora o estado último de Buda eventualmente seja atingido através da prática do mantra secreto, o Buda não ensinou apenas um veículo. Ele ensinou todas os diversos métodos e estágios, para que os seres sencientes de várias capacidades possam gradualmente amadurecer até o ponto onde possam praticar esses ensinamentos últimos.

oitavo é que temos de confiar em técnicas de meditação e modos de conduta que realmente ajudam a nossa experiência na prática. Devemos praticar de tal forma que estejamos com nossa atenção verdadeiramente focada na prática que estamos fazendo, e não misturar essa prática com outras coisas que são inapropriadas ao contexto.

Por exemplo, se você está praticando a meditação da tranquilidade ou Shamata, é importante que você continue com a prática até que você gerar a certeza sobre o seu benefício e uma certa estabilidade da mente, até o ponto em que você pode partir para a prática da introspecção ou meditação Vipashyana. No entanto, se no meio da prática Shamata você começar a executar uma análise associada com a prática Vipashyana, então você destruirá sua prática incipiente de Shamata. Você não chegará a lugar algum, porque você não está praticando o que você se propôs a praticar.

Da mesma forma, se você estiver fazendo uma prática simples, que não depende de análise extensa, mesmo podendo parecer não é apropriado envolver-se em uma análise complexa. Ou ainda, se você estiver envolvido em uma prática que depende de algumas análises, se descartar essa análise e simplesmente descansar em um estado de simplicidade, isso prejudicaria a sua prática, mesmo que isso seja adequado em outra circunstância. No que diz respeito ao modo de conduta, é importante o que você faz, sua postura física e assim por diante, devem ser adequadas à prática que está fazendo.O exemplo mais óbvio é, quando você está fazendo a primeira parte das práticas preliminares, Ngondro, você não se senta como na a prática Shamata, no lugar disso faz prostrações e assim por diante. Além disso, você recita a oração de refúgio enquanto você está fazendo as prostrações, e não pratica Shamata. É importante que todos os aspectos de sua prática sejam harmoniosos e unificados.

nona coisa em que confiar é nos estudantes dignos que têm fé e respeito, e essa confiança deve ser em alguém que, tenha atingido algumas qualidades associadas ao caminho, e está atuando como um amigo ou mestre espiritual para os demais. Quando o Mestre começa realmente a possuir essas qualidades, é preciso que ele decida em quais situações e quanto é apropriado ensinar. A decisão não deve ser baseada em quantas pessoas se pode reunir para ensinar, e o quanto você poderia dizer-lhes. Deve-se escolher o que se diz e para quem, com base no que é realmente adequado e necessário para a audiência.

De um modo geral, os alunos do Dharma devem ter os três tipos de fé. O primeiro é a fé de clareza, é uma noção clara do valor do Dharma, portanto, uma natural sincera apreciação por ele. A segunda é a fé do desejo, é o desejo intenso de alcançar as qualidades dos Budas e Bodhisattvas. O terceiro tipo é a fé da confiança, que é a convicção do aluno que Dharma é a melhor maneira de viver, e que a prática é uma forma digna de utilizar o tempo. No que se refere ao respeito, os alunos deverão ser capazes de reconhecer seus próprios defeitos e valorizar as qualidades de seu mestre. Respeito no contexto do Dharma, significa que os alunos devem considerar o seu professor da mesma forma que eles consideram um médico, que prescreve o remédio apropriado para alguém que está sofrendo de uma doença grave.

Para o mestre é importante abandonar dois extremos. Um é pensar:  “Eu sou um yogi que transcendeu as atividades mundanas. Portanto, não importa quantos alunos qualificados se aproximam de mim eu não vou dizer-lhes qualquer coisa, porque eu estou além dessa comunicação com outras pessoas.” Se os alunos qualificados aparecerem e você está qualificado para ensinar, você deve fazê-lo. O outro extremo é pensar: “Eu sou um yogi com algumas qualidades. Portanto, eu deveria ensinar o que puder para todos que conheço.” O perigo do segundo extremo é que, quando você ensinar as pessoas que não tem nenhum respeito pelo Dharma, isso será desperdiçado porque as pessoas não serão beneficiadas pelo ensinamento. Não só não serão beneficiadas, na verdade a falta de respeito pelo Dharma e pelo mestre crescem à medida que o tempo passa, por receberem o ensinamento sem fé e respeito. Assim, ensinar sem os devidos cuidados é uma maneira muito eficaz de enviar a si mesmo e aos outros para os reinos inferiores.

décima coisa sobre a qual temos de confiar é manter contínua consciência e plena atenção ao longo dos quatro tipos de atividades. As quatro tipos de atividades são: comer, dormir, andar e sentar. Devemos estar conscientes de que estamos fazendo em todas as situações, com destaque para essas quatro.

É particularmente importante proteger todos os nossos votos nosso Samaya, sejam eles quais forem. Devemos considerar a proteção de votos e Samaya do jeito que consideraríamos a proteção de uma joia extremamente valiosa que nos foi confiada. Se soubermos que em algum lugar lá fora existem ladrões à espera de uma chance de roubar esta joia, estaremos constantemente atentos para evitar que a joia seja roubada. Da mesma forma, para manter nossa disciplina devemos sempre observar nossas mentes, porque os ladrões que roubariam a joia da nossa disciplina são as aflições mentais que surgem na mente. Quando aflições mentais assumem a mente, começam a produzir conceitos e pensamentos aflitivos, que levam a atos negativos. Desta forma, é especialmente importante observar a mente em todos os momentos.

Há duas explicações comuns e incomuns de como manter contínua consciência e plena atenção ao longo das quatro atividades. A explicação comum é: quando se estiver comendo, fazê-lo moderadamente, como foi explicado antes. Quando você dormir, fazê-lo com a intenção virtuosa de se levantar na manhã seguinte e usando todo o seu tempo para a prática do Dharma. Quando você está andando, ter o cuidado para evitar pisar em insetos ou prejudicar outros seres sencientes. Ao sentar-se, tome cuidado para não esmagar os insetos escondidos sob as almofadas, ou prejudicar quaisquer seres. Essa é a forma como a consciência comum é dirigida.

A atenção incomum do mantra secreto é baseada nestes preceitos mencionados, mas acrescenta-lhes outras práticas: Quando você está comendo, considerar o seu corpo como a Mandala de todos os Vitoriosos, e oferecer seu alimento a eles como substâncias de um banquete. Quando você está indo dormir, meditar sobre a luz clara associada com o sono, o que pode fazer recitaando um mantra, repousando a mente em um estado de não-conceitualização ou não-fabricação, e assim por diante. Quando caminhar, visualizar o seu guru raiz acima do seu ombro direito imaginado que você o está circumambando. Ao sentar, visualizar o seu Lama Raiz acima de sua cabeça em todos os momentos. O ponto de ambas as explicações comuns e incomuns é preservar contínua consciência e a plena atenção em todos os momentos, porque estes são a fundação ou base de todo o Dharma.

Estas são as dez coisas nas quais confiar desde o início de sua prática do Dharma até a realização da fruição completa. Dentre elas, a primeira naturalmente, é o Mestre correto. Devemos confiar nestas dez coisas de modo a nunca nos separarmos delas, assim como corpo nunca está separado de sua sombra.