Mokchopa

RINCHEN TSONDRU
(Mokchopa)

O erudito e realizado mestre Kyungpo Naljor teve seis grandes discípulos sobre os quais outorgou o ciclo completo das instruções profundas. Dentre eles, apenas um foi designado herdeiro da linhagem, o último dentre eles, conhecido como Mokchopa, Rinchen Tsondru. Imediatamente após essa vida, ele alcançou a completa e manifesta iluminação na Terra Pura do Leste, Radiância. Esse grande bodhisatva em seu último renascimento viu que as explicações na terminologia intelectual eram inúteis. Ele praticou os ensinamentos profundos extensivos que recebeu de mestres de meditação, como Khanpa Aseng e Burgom Nakpo, mas fracassou no objetivo de alcançar a perfeição por meio da meditação. O erudito e realizado mestre Kyungpo Naljor aceitou-o como discípulo e concedeu-lhe a transmissão integral dos ensinamentos.

Primeiramente, ele meditou por dois anos em Dingma, onde alcançou a perfeita realização das práticas do Corpo Ilusório, Sonho Lúcido e Clara Luz. Em seguida, tendo o mestre da linhagem Shangpa [Kyungpo Naljor] falecido, ele foi em busca do mestre espiritual e médico de Dakpo [Gampopa], para solucionar todas as dúvidas remanescentes, por meio de sua prática virtuosa. Gampopa lhe disse que eles tinham sido mestre e discípulo por muitas vidas. Ele ficou muito feliz com Richen Tsondru e concedeu-lhe muitas instruções profundas, que contribuíram para que Rinchen Tsondru solucionasse equívocos sobre a visão do mahamudra. Sua energia de realização e experiência cresceram em todos os aspectos. Durante um sonho, uma vez tendo realizado emanações e transformado experiências, ele cantou o seguinte canto vajra:

Aparências surgem de forma incessante do domínio não-nascido.
Meramente pensamentos, elas surgem desimpedidas.
Não distorcido por nada,
O corpo ilusório surge do domínio da minha consciência.
Minhas preocupações relacionadas a esta vida são esquecidas e se vão.

Meu corpo de maturação kármica é o Corpo do Conquistador:
Nobre mestre precioso, vós me introduzistes a isso!

Meu corpo mental é o corpo da iluminação última:
Nobre mestre precioso, vós me introduzistes a isso!

Meu corpo de tendências habituais é o Corpo do Conquistador:
Nobre mestre precioso, vós me introduzistes a isso!

Então, Rinchen Tsondru disse que, a partir daquele momento, ele jamais experimentou novamente preocupações relacionadas a esta vida.

Então, como o seu mestre havia avisado, ele permaneceu nas montanhas, considerando que deveria estabelecer seu foco na morte ou na iluminação. Enquanto permanecia no pico de Mokchok durante 12 (doze) anos com pouca comida, Sukasidhi apareceu e canto o seguinte canto:

Até que você alcance a natureza da realidade,
A nutrição humana obscurece a sua experiência.
Corte seu vínculo com comidas e roupas,
Como a comida da meditação não conceitual.

Ela repetiu isso três vezes; ele cortou seu apego à comida e a roupa. Estados meditativos inconcebíveis surgiram.

Naquela época, ele cantou várias canções vajra, como a seguinte, que explica como as sete riquezas do monarca universal são realizadas pelo praticante de meditação:

Eu tentei derrotar meus inimigo e proteger meus amigos,
E, no entanto, nunca fui capaz de derrotar definitivamente meus inimigos,
E nunca fui capaz de satisfazer definitivamente meus amigos.
Agora, minha principal atividade é viver sem amigos ou inimigos.

Eu tentei satisfazer os deuses e dispersar os demônios,
E, no entanto, não foi possível satisfazer os deuses,
E nem derrotar os demônios de uma vez por todas.
Agora, minha principal atividade é viver sem deuses e demônios.

Eu persegui a vacuidade.
E, no entanto, não fui capaz de ver a limitação dessa visão.
Agora, minha atividade principal é cortar a raiz única da mente.

Naquele que é o mais inferior na sociedade,
O melhor em qualidades espirituais surgiu.

Se não alcançarmos a correta compreensão,
Perder-nos-emos lutando por riquezas ilusórias nos negócios.

Se não mantivermos uma vida simples
Ocuparemos nossas vidas com o orgulho do que é exteriormente puro ou poderoso.

Se não vagarmos, mendigando sem rumo,
Destruiremos equivocadamente formigueiros (enquanto construímos casas) num vale vazio.

Se não vivermos sozinhos em prática meditativa.
Ocupar-nos-emos com a atividade de liderança de muitos.

Esse livre e plenamente dotado corpo humano,
Pode ser desperdiçado em atividades inúteis.

Essa preciosa jóia da mente
Pode se perder quando se afundar no lamaçal da existência.

O néctar das instruções do mestre
Pode se perder na agitação da distração.

Essa chama da não-dualidade
Pode morrer nas brisas dos pensamentos.

Essa suprema felicidade na conduta do sabor imparcial
Pode ser sufocada pelos demônios das oito preocupações mundanas.

Essa terra pura dos conquistadores, o seu próprio corpo,
Pode ser desperdiçado, quando te oferecerem trabalhos convencionais.

Nos estado de felicidade do praticante de meditação
As aparências dos seis sentidos surgem como uma ajuda.

Uma vez que não temo nem a existência nem a transcendência,
Considero minha própria mente como sendo um monarca.
A soberania que realizou sua própria mente
Possui os ornamentos das sete preciosas posses.

Eu não possuo conhecimento intelectual,
Sinto devoção pelo sentido profundo.
Certeza surge das profundezas da minha mente –
Esse é o melhor conselho do ministro precioso.

O sagrado mestre espiritual
Apresenta os ensinamentos profundos.
“Solucione suas incompreensões sobre os tantras e as transmissões
Na linhagem do nobre filho Naropa” ele disse.
Eu reuni o âmago de todas as instruções principais
E cortei a raiz da existência e da transcendência.
Ignorância banida no estado não-nascido;
O precioso cavalo supremo carregando os cinco venenos para a expansão absoluta.

Uma vez que todos os negócios, que reúnem muitas pessoas, significam distração, eu permaneço em retiro.
Construindo a base para a criação e a dissolução,
Treino nas aparências da minha própria mente.
Como um jovem garuda planando no espaço
Qualquer lugar que eu vou é a preciosa roda.

As aparências dos seis sentidos subitamente desapareceram,
E nisso estou contente.
Sem me sentir alegre por possuir muitas posses
Não sentido nem prazer ou pena por louvores ou culpa.
Mesmo diante das aparições manifestas da face do Senhor da Morte,
Não tenho medo, uma vez que sei tratar-se de aparências de minha própria mente.
A natureza da mente é livre de permanência e transcendência;
Nem o nascimento nem a morte me assustam,
Não seria esse o precioso general que conquista os pensamentos desgovernados?

Para o praticante que realiza isso,
Aparências surgem como um professor
Na pureza primordial da mente.
Isso é como o elefante que move exércitos.

Raiva e desejo desaparecem no estado sem atividade mental;
Um pássaro voando no espaço não tem suporte.
Os seis sentidos que surgem estão se movendo.
Quando não me apego a eles, eles se tornam uma ajuda,
Uma grandiosa e desimpedida visão,
Maravilhosos ornamentos vestidos pela preciosa rainha.

Para o praticante que realiza isso,
A residência da mente não possui limites
E tudo permeia, como o espaço.
Naquilo que não pode ser identificado, como o horizonte,
A porta da luminosidade não tem limites.
Uma vez que a expansão absoluta e a sabedoria são inseparáveis,
A continuidade dos três corpos da iluminação não tem barreiras,
Como a atividade espontânea do sol
Que irradia seus raios em todas as direções.
Assim é a preciosa jóia que realiza todos os desejos e necessidades.

Essas sete preciosas posses da suprema riqueza
São os preciosos ornamentos do praticante.
Podemos nos separar dos nossos corpos, mas não deles.
Considero-os nossa riqueza sagrada.
E não aspiro pelas riquezas dos reis,
Nem me regozijo nos termos técnicos dos eruditos.
Isso não é um piada: firmo minha existência nisso.

A canção da experiência dos seis sentidos:

Primeiro, resolvi meus equívocos.
Mesmo assim as dúvidas agora têm aparecido.
A visão parece ter enganado o praticante.
Agora, possa eu permanecer para sempre sem formulações.

Primeiro, realizei o estado não nascido,
Mesmo assim, o medo agora tem surgido.
A meditação parece ter engando o praticante.
Agora, possa eu permanecer para sempre sem distração.

Primeiro, eu agi sem apego,
Mesmo assim, o apego agora tem surgido.
A conduta parece ter enganado o praticante.
Agora, possa eu permanecer para sempre sem apego.

Primeiro, eu permaneci de maneira concentrada,
Mesmo assim, o medo e a expectativa agora têm surgido.
O resultado parece ter enganado o praticante.
Agora, possa eu permanecer para sempre na presença espontânea.

Primeiro, fiz um progresso rápido,
Mesmo assim, hesitação agora tem surgido.
As oito preocupações mundanas parecem ter enganado o praticante.
Agora, possa eu permanecer para sempre irracional.

Primeiro, eu renunciei à família e aos amigos,
Mesmo assim, a preocupação com a minha imagem agora tem surgido.
Agora, possa eu me despreocupar sobre a minha posição.

Primeiro, a fé brotou em mim.
Mesmo assim, a complacência agora tem surgido.
A preguiça parece ter enganado o praticante.
Agora, possa eu permanecer diligente e constante na prática contemplativa.

Possa eu não me cansar ou me desencorajar em minha fé e respeito
Pelos únicos deuses espirituais, as Três Joias.
Possa eu sentir um respeito e devoção contínua
Pelo meu pai único, o mestre espiritual sagrado.

Possa eu não adicionar nenhuma palavra poluída
À essência vital do coração de seus conselhos.
A meditação é mais preciosa do que a erudição;
Possa eu viver sozinho e cultivar a experiência meditativa.

Sentir-se insatisfeito com as faltas da existência
E sentir-se interessado nos ensinamentos da transcendência é difícil.
Acreditar nos ensinamentos da ação e suas consequências
E ter uma fé infatigável é difícil.
Rejeitar a preocupação com a doença e a dor
E colocar essa vida humana a serviço é difícil.
Encontrar um professor compassivo
Imbuído das escrituras, lógica e instruções centrais é difícil.
Encontrar um estudante que renuncie a todos os negócios e distrações
Que cultive a experiência meditativa é difícil.
Renunciar a toda a raiva e desejo
E ter compaixão servindo aos outros é difícil.
Ser livre do pensando dualista
Na meditação centrada é difícil.

Esse conselho sobe os oito pontos difíceis
É precioso para qualquer pessoa espiritualizada.
Poucos em centenas possuem todos eles.
É por isso que alcançar o despertar é difícil.

Quando as dúvidas são resolvidas,
Essa é a chamada visão além dos extremos, ou não é?
A isso, as escrituras e a lógica se somam como maravilhosos ornamentos.

Quando pensamentos discursivos surgem como o corpo de iluminação última,
Isso é chamado: meditação auto manifesta, ou não é?
A isso, a experiência se soma como um maravilhoso ornamento.

Quando os seis sentidos são liberados não sua própria base,
Isso é chamado: conduta livre de apego, ou não é?
A isso, a conduta tempestiva se soma como um maravilhoso ornamento.

Conexão com a experiência de vacuidade
É chamada: instrução oral profunda da linhagem, ou não é?
A isso, a iniciação se soma como um maravilhoso ornamento.

Quando claras aparências surgem na vacuidade,
Isso é chamado: progresso no caminho e nos estágios, ou não é?
A isso, os sinais do caminho se somam como maravilhosos ornamentos.

Tomando a mente ao ponto da exaustão
É chamado: iluminação em uma só vida, ou não é?
A isso, os quatro corpos da iluminação se somam como maravilhosos ornamentos.

Indivíduos dotados das três características
São chamados: mestres espirituais detentores da linhagem, ou não são?
A eles, instruções profundas se somam como maravilhosos ornamentos.

Indivíduos imbuídos de fé e excelente compreensão
São chamados: discípulos meritórios, ou não são?
A eles, respeito e devoção se somam como maravilhosos ornamentos.

Da montanha preciosa do mestre espiritual,
Fontes de ensinamentos sagrados jorram.
Aqueles que bebem deles com infatigável fé
Certamente livrarão a si de todas as faltas.

Dentre desse vaso que é o corpo composto,
Uma lamparina co-emergente brilha.
Aqueles contentes em obtê-la por meio da meditação
Verão claramente a iluminação última dentro e fora.

Na montanha desse corpo ilusório,
O filhote de leão da consciência brinca.
Aqueles que conhecem o treinamento no não-apego dos seis sentidos
Certamente superará existência e transcendência.

No ninho da ignorância,
O jovem garuda da consciência reside.
Aqueles que souberem usar as asas do método e da sabedoria.
Certamente planará nos céus dos seis reinos.

Olhe, olhe com a mente para o mundo exterior.
Tendo olhado para o mundo exterior,
Você verá como o reflexo de um espelho
Aparências não têm natureza intrínseca.
Olhe, olhe com a mente para a mente interior.
Tendo olhada para a mente interior
Você verá que uma vela imperturbável pela brisa
Mente é claridade sem pensamentos discursivos.

Olhe, olhe para a mente entre o dentro e o fora.
Tendo olhado por entre o dentro e o fora,
Você verá que, assim como o nascer do sol no céu,
Marcas [da experiência dualística] se desfazem na sua própria origem.

Medite, medite com a mente no profundo caminho dos meios:
Tendo meditado no profundo caminho dos meios,
Você verá que, como se estivesse sendo guiada por um excelente guia,
A mente atinge o lugar que aspira.

Medite, medite com a mente no mahamudra:
Tendo meditado no mahamudra,
Você verá que, assim como o fogo se espalhando pela floresta,
Qualquer coisa que aparece lhe ajuda.

Oriente, oriente a mente para a mendicância sem rumo:
Tendo mendigado sem rumo,
Você verá que, como a neve caindo num lago,
Seus pensamentos se dissolverão imediatamente.

Treze discípulos do [Doutor de] Dakpo vieram até esse nobre mestre e pediram instruções sobre o mahamudra para evitar os danos causados pelos pensamentos discursivos. Ele os respondeu com as seguintes palavras:

Na natureza da realidade não há nada que venha a ser e nada a cessar,
O que pode ser chamado de pensamento?
Estados (mentais) com ou sem pensamentos devem ser vistos
Como água e água com bolhas.

Com essas e outras instruções, eles compreenderam os pensamentos como sendo desprovidos de uma origem ou uma raiz.

Um geshe de Lo-wo pediu instruções para que pudesse ver a face de qualquer divindade que praticasse. Rinchen Tsondru respondeu com as seguintes palavras:

Abandone a atividade mundana de sua mente.
Sem qualquer dúvida ou atenção dividida,
Medite na forma da divindade,
Claridade sem pensamentos discursivos.
Não se envolva em conversas intermináveis;
Recite mantras – som e vacuidade.
Se fizer isso, você rapidamente verá a forma da divindade.
Não duvide!

Esse conselho inspirou grande certeza no geshe, e depois de 3 (três) meses de meditação, ele viu a face de Tara.

Os seguintes relatos foram extraídos da autobiografia do mestre:

Num verão, uma grande fome se abateu sobre nós. As pessoas famintas do local decidiram entre si: “devemos pedir o conselho do lama.” [Entretanto], quando [outros moradores do vilarejo famintos] dominaram os monges e roubaram as oferendas enviadas, o yak protetor [do monastério] tornou-se [enfurecido] contra o vilarejo. Os monges se preparam para a batalha [contra os moradores do vilarejo]. Então, num certo dia, eu chamei a todos em conjunto. Primeiro, eu coloquei o meu manto, e sobre ele uma sacola contendo textos e, então, cantei o seguinte:

Se você pedir conselhos para o guia, o nobre mestre espiritual,
Você tornar-se-á hábil em percorrer o caminho.

Se você dirigir sua atenção aos Ensinamentos,
Você terá recebido os bons conselhos.

Se você resolver suas incompreensões internas,
Você desenvolverá certeza.

Se todos os seus atos estiverem relacionados com os Ensinamentos,
Sua atividade virtuosa vai aumentar.

Se você permitir que os outros vençam,
Você treinará sua mente.

Se você não controlar a mente dos outros, mas for capaz de domar a sua própria,
Você terá pouca preocupação com sua imagem pública.

Se você sempre se considerar uma visita em qualquer lugar que viva,
Você terá pouco apego.

Se você aceitar a mais pobre dentre as roupas e alimentos,
Você estará relaxado no corpo e na mente.

Depois de cantar essa canção, voltei ao meu eremitério, os monges desistiram da batalha e o protetor yak deixou o vilarejo. O Bodisatva de Grande Compaixão registrou,

Você apagou uma grande pira de ódio
Com as águas frescas do amor:
Muito bem, ó yogui!
Raiva e desejo residem na raiz
Da existência e transcendência:
Trate com desprezo o apego, ó yogui!

Então, entrei em retiro durante o mês do cavalo e não comi comida humana nem concedi iniciações. Como resultado, as aparências da clara-luz aumentaram e fui capaz de conhecer todos os atos dos monges e as qualidades e faltas das partes iniciais e finais de suas respectivas vidas. Como resultado, fui capaz de dar a cada um deles individualmente o aconselhamento mais apropriado, com grande amor e compaixão. Minha prática culminava em todos os aspectos. Mesmo assim, havia muitos, como Ngomsho Lacho, que não escutava realmente os meus ensinamentos. Eu o adverti: se ele voltasse para casa, encontraria a morte brevemente e não me encontraria novamente. Mas ele não escutou o meu conselho e decidiu seguir seu caminho de volta ao vilarejo. Essa visão me entristeceu. Então segurei as mãos de Ngomsho, juntei-as as minhas e cantei o seguinte canto:

O Buda é o predecessor de todos os seres sencientes,
O santo dharma é a jóia compartilhada com todos os seres sencientes.
Uma vez tendo recebido seu legado espiritual
Ignorar tal riqueza é sem sentido.

A raiz de todos os Budas dos três tempos
É certamente o mestre espiritual detentor da linhagem.
Não ter respeito e devoção por aquele que satisfaz todos os nossos desejos e necessidades nessa vida,
É sem sentido.

Não se aplicar de forma diligente e sem distrações,
Durante o tempo que nos resta nesta vida,
Mas desperdiçá-la de forma inútil,
Tentando ajudar aqueles que jamais estão satisfeitos, é sem sentido.

Os seres imaturos, de pouca sabedoria,
São incitados pelo demônio da morte.
Onde eles estarão no futuro depende do karma acumulado no passado.
Praticar ações negativas é sem sentido.

Nesse triste mundo de agregados contaminados,
Nascemos, adoecemos, envelhecemos e morremos,
Imaginar que esse “corpo-saco”, um pote de barro, durará para sempre,
É sem sentido.

Uma vez que a natureza da comida e da riqueza é ilusória,
Elas não podem trazer benefício a si e aos outros,
Mesmo assim, você continua preso aos hábitos da avareza.
A inabilidade de desapegar é sem sentido.

Desviado do caminho pelo demônio dos pensamentos conceituais,
Você perde a visão da realidade,
E teme a morte: a partida do corpo e da mente.
A agitação mental é sem sentido.

Você falha em aproveitar as oportunidades
De meditar sem distrações durante as quatro sessões diárias
Nas práticas tântricas plenamente realizadas.
Sua tagarelice incessante e seu apego ao passado são sem sentido.

Em relação à mente, essa jóia que realiza todos os desejos,
Se você não meditar como sendo inseparável dos três corpos de iluminação,
Você é como um cervo olhando para uma miragem.
Perseguir postulados verbais é sem sentido.

Falhando em tomar a realidade em si como sua própria morada,
Você afrouxa sua vigilância sobre a identificação ao ego: vagando sem rumo no samsara
Enquanto se prende na ilusão do castelo das seis classes de seres.
Isso é sem sentido.

O canto vajra de Richen Tsondru sobre a visão, meditação e conduta:

Tendo realizado o sentido além do nascimento e cessação,
Sua visão pode ser maior que a dos outros ou não; isso não importa.
Assente a mente num estado sem ponto focal.
Não identificar-se com a perspectiva dualística é a visão.

Tendo realizado que os três corpos de iluminação nunca estão separados de você,
Sua tranquilidade pode ser estável ou não; isso não importa.
Permaneça num estado sem esforços.
Claridade sem distração é a meditação.

Se você está atento enquanto anda, se deita ou se senta.
Sua conduta pode ser vulgar ou não; isso não importa.
Permaneça num estado sem medo.
Viver sem apego é a conduta.

Tendo realizado a claridade sem substancialidade.
Sua experiência pode arder/resplandecer ou não; isso não importa.
Permaneça no inexpressável.
Ter certeza é a experiência meditativa.

Tendo realizado o significado além da expectativa e do medo,
Você pode alcançar a iluminação última ou não; isso não importa.
Permaneça no estado sem raiva ou desejo.
Isso, que existe primordialmente, é o resultado.

O canto vajra da mente imortal:

Os discursos, tantras, instruções centrais e a experiência
Ensinam a instrução vital da imortalidade, iluminação sem meditação.
Por meio desses ensinamentos, esse corpo de maturação cármica
Automaticamente surge como corpo de sabedoria.

No lugar desse corpo de maturação cármica,
Medite no corpo da divindade,
Vívido, sem apego.
Isso é inseparável da sua mente.

Uma vez que a essência da mente é não-existente,
O que estaria nela que poderia morrer?
O que chamamos de ‘morte” é um conceito.

Os pensamentos
E os fenômenos da existência ou transcendência
Não têm uma existência intrínseca.
O que parte [na morte] e o que se ejeta
É liberado na sua própria base.
A consciência não se ejeta para lugar nenhum.

Esse é o resultado supremo, imortalidade ilimitada.
Esse ensinamento, que outorga a iluminação manifesta, apenas por recordá-lo.
É o coração vital das dakinis: guarde-o como se faz com a própria vida!

Isso conclui o canto da auto-liberação da mente imortal, pelo Ratna Virya [Rinchen Tsondru]. Eu ofereço cinquenta medidas de ouro para o Lama Shangpa para receber essas instruções e, então, alcancei essa experiência. Iti.

Quando Mokchopa, Rinchen Tsondru, estava prestes a transcender o sofrimento, ele cantou o seguinte canto de aconselhamento para Drongbu Tsengo:

Meu filho, se você resolveu suas dúvidas sobre os termos,
Você não terá necessidade de ensinamentos intelectuais.
Eles são difíceis de aprender e fáceis de serem esquecidos.
Todos os ensinamentos das oitenta e quatro mil portas
Conduzem a natureza da mente.
Quando refletires sobre qualquer instrução.
Permaneça na natureza estável e no estado inato descontraído.
Saiba que as aparências são a mente.
A natureza da mente é não-nascida;
Se você realizar o não-nascido, isso é a clara-luz.
Sempre dê sua atenção a isso.
Uma vez que a relação entre a ação, a causa e surgimento interdependente é certa,
Pratique apenas isso, meu filho.


A Melodia da Contemplação

Uma súplica ao incomparável Mokchopa,
por Jamgon Kongtrul

Herdeiro da vitória espontaneamente realizado das duas acumulações,
Mestre profetizado pela dakini,
Indiscutível senhor da realização, ilustre Mokchopa,
Venerável Rinchen Tsondru; a vós eu oro.

Vós nascestes em Lhapu, Shang, no clã Sheu.
Entrastes no Budismo e confiastes corretamente no mestre espiritual.
Tendo resolvido suas incompreensões, vós meditastes.
E uma certeza definitiva surgiu em vós; a vós eu oro.

Movido pelo encontro de um homem cujos estudos tornaram-no insensível aos ensinamentos,
Vós tomastes voto pela busca da instrução profunda.
De Khampa Aseng, vós recebestes tantras soberanos:
Práticas profundas de criação e perfeição; a vós eu oro.

Do venerável Burgom, vós recebestes práticas de criação e perfeição de origem do nobre Rechungpa.
E quando praticastes meditação por meio delas,
Vós emanastes sinais aos seus inimigos, vistes a face da nobre Vajrayogini,
E atendestes estados meditativos; a vós eu oro.

De Konkar, Yorpo, Dordje Gyal e outros mestres,
Vós recebestes diferentes tipos de instruções profundas, principalmente relacionadas à compreensão superior.
Em particular, o grande mestre realizado Kyungpo aceitou-vos como seu discípulo.
E vós o agradastes de diversas formas; a vós eu oro.

Sem guardar nada consigo, Kyungpo conferiu-vos todas as instruções profundas
Que recebera de seus quatro lamas-raízes, a quem ofereceu ouro.
Além disso, ele concedeu-vos a transmissão dada ao discípulo único.
Vós sempre enxergastes seu corpo como sendo o das divindades tântricas; a vós eu oro.

Vós realizastes a absorção da realidade ilusória.
Vós compreendestes a unidade que libera tudo; sua sabedoria manifesta-se de forma plena.
Vós dominastes todos os espíritos maléficos.
E fizestes inumeráveis seres felizes; a vós eu oro.

Vistes a face do Budha Imutável, as duas dakinis de sabedoria,
Indrabodhi, Vajrayogini,
E em particular Heruka –
Eles concederam a vós ensinamentos consagrados vastos e profundos; a vós eu oro.

Quando chegastes à presença do incomparável Dakpo Gampopa,
Ele disse a vós que fostes seu discípulo em muitos renascimentos, tratou-vos de forma amável,
E conduziu-vos à visão direta do corpo nú do despertar último.
Vossa realização e liberação ocorreram simultaneamente; a vós eu oro.

Gampopa confiou a vós a transmissão da linhagem do mahamudra.
Vosso poder de meditação tornou-se completo.
Daí por diante, enquanto vós vivestes, jamais pensara nessa vida.
Bodhisatva em seu último renascimento; a vós eu oro.

Por doze anos, na montanha de Mokchok,
Vós renunciastes a comida humana e praticastes como a mente centrada.
Buda Imutável, as Quatro Divindades, o Protetor desperto
E as dakinis vos visitaram; a vós eu oro.

Durante a celebração da memória da morte do Lama Shangpa,
Ele e o Buda de Luz Infinita vieram para conceder-vos o néctar do Canal Central.
Vós vistes claramente as terras puras, com Budhas tão numerosos quanto as partículas do universo.
Em cada uma dessas partículas; a vós eu oro.

Alguns podem ver emanações de vossa poderosa realização.
Quando sentastes no espaço os seres afortunados eram movidos pela fé.
Vós os aceitastes e reunistes inumeráveis discípulos,
E conduzistes a todos à maturidade espiritual e a liberação; a vós eu oro.

Escutando vosso nome e voz, vendo vossa residência,
Ou tendo fé e devoção por vós, induzistes a estados meditativos
E conduzistes a inumeráveis pessoas à liberação.
Qualquer conexão com vós fora significante; a vós eu oro.

Quando conferistes iniciações
As Cinco Divindades Tântricas visivelmente apareceram nos vossos cinco chacras
E sobre a mandala de areia, vistas por todos os afortunados;
Fonte de bênçãos; a vós eu oro.

Vindos da Terra Pura da Suprema Felicidade, atendentes dos Budhas vieram vos convidar,
Mas vós não concordastes em partir.
Por três anos vós permanecestes girando a roda do dharma,
Cuidando de vossos discípulos; a vós eu oro.

“Depois desta vida, na Terra Pura da Suprema Felicidade do Leste, no domínio da Radiância,
Eu atenderei a iluminação manifesta.
E ensinarei somente no Grande Veículo!”
Vós fizestes essa proclamação com um rugido de leão; a vós eu oro.

“Aqueles que preservarem a linhagem devem voltar suas orações para mim lá:
Eles renascerão nessa suprema Terra Pura!”
Tendo dito isso, vós demonstrastes inumeráveis milagres ilimitados
E partistes para a Terra Pura da Radiância; a vós eu oro.

Novamente, vós retornastes no caminho da luz,
Colocando a coroa da linhagem sobre os seres do senhor protetor,
E outorgando a liderança da sua linhagem a Sherab Repa
Para impedir sua interrupção; a vós eu oro.

Rei dos ensinamentos, Nobre Mokchopa,
Por favor, conceda sua amável e compassiva atenção a esta oração.
Conceda-me suas bênçãos do corpo da palavra e da mente,
E conduza-me a Terra Pura da Radiância!

(A Guirlanda das Flores Udumvara, pp. 10b-11b)

 

 

 

 

A dakini de sabedoria conhecida como Nigupta, ilustre irmã de Naropa, foi uma yoguini auto-surgida, poderosa bodisatva de décima terra, que recebeu instruções diretas do Conquistador Vajradhara. Ela cantou os seguintes versos vajra da auto-liberação do mahamudra:

Natureza da mente,
Jóia que realiza todas as aspirações, diante de ti eu me prosterno.

Com a aspiração de obter o perfeito despertar,
Para purificar os pensamentos ordinários,
Visualize claramente seu corpo como sendo a divindade.
Desenvolva uma nobre intenção de ajudar os outros
E uma devoção pura pelo seu mestre espiritual.

Não se fixe no seu mestre espiritual ou na divindade.
Não traga nada à mente.
Seja real ou imaginária.
Permaneça sem fabricação, no estado não nascido.

Sua própria mente, sem fabricações, é o corpo do despertar último.
Permanecer nesse estado, sem distrações, é o ponto essencial da meditação.
Realize o grandioso e vasto estado de expansão.

Miríades de pensamentos de cólera e desejo,
Emergem nos oceanos da existência.
Pegue a afiada espada do estado inato
E corte-os pela sua ausência de existência intrínseca.
Quando se corta as raízes de uma árvore,
Seus galhos não crescerão.

Num oceano radiante,
Bolhas emergem e voltam a se dissolver na água.
Igualmente, pensamentos não são nada além do que a própria natureza da realidade.
Não os considere como sendo faltas. Relaxe.

Quando não se tem apego pelo que aparece, pelo que surge,
Isso se auto-libera em sua própria base.

Aparências, sons e fenômenos são a própria mente.
Não há nenhum fenômeno além da mente.
A mente é livre de nascimento, cessação,
E formulação.

Aqueles que conhecem a natureza da mente,
Desfrutam dos prazeres dos cinco sentidos,
Mas não se desviam da natureza da realidade.
Numa ilha de ouro,
Você procura em vão por pedras e terra.
Na equanimidade da grande expansão absoluta,
Não há aceitação nem rejeição,
Não há estado de meditação, nem pós-meditação.

Quando se realiza esse estado,
Ele é espontaneamente presente,
Satisfazendo as esperanças dos seres,
Como uma jóia que satisfaz todas aspirações.

Pessoas de diferentes níveis de capacidade: superior, médio e comum,
Devem aprender isso por etapas compatíveis à sua compreensão.


Melodia da Sabedoria:

Uma súplica à dakini de sabedoria Niguma
por Jamgon Kongtrul

Rainha vajra, mãe de todos os Budas,
Mulher de pele marrom-escura vestida com ornamentos de ossos, que voa pelo espaço,
Vós conferis a suprema realização aos seus discípulos afortunados:
Nobre Niguma, a vós eu oro.

Nascida na maravilhosa terra da Caxemira,
Na sublime cidade
Conhecida como Incomparável na Terra de Jambu,
Emanada pelas bençãos de Madhyantika; a vós eu oro.

No círculo da família
Do puro brâmane Shantivarma,
Narotapa e vós, dakini de sabedoria, foram irmão e irmã –
Vossos karmas amadureceram juntos, como o sol e a lua; a vós eu oro.

Vós sois a forma feminina da verdadeira vacuidade,
Sublime dentre todas as aparências, que dá a luz a todos os Budas vitoriosos.
Apesar de manifestar-se sob uma forma mundana,
Vós renunciastes a qualquer conexão com a existência fundada em desejo ou apego; a vós eu oro.

Durante inumeráveis vidas passadas, vós alcançastes as distantes terras,
Dos caminhos e estágios despertos.
Assim, nessa vida, vós conquistastes a inconcebível realização auto-manifesta da liberação perfeita.
Dakini inata, a vós eu oro.

Vós não tivestes que confiar em um treinamento exaustivo –
Quando os conselhos dos mestres realizados entraram em vossos ouvidos,
Vós compreendestes todos os ensinamentos
Grande felicidade da liberação natural, a vós eu oro.

O conhecimento de um assunto – o significado sutil e profundo dos tantras – conduziu a vossa liberação total
E ao florescimento de vossas duas formas de conhecimento.
Vós realizastes diretamente e sem obscurecimentos a verdade da natureza da realidade.
Ilustre mulher de realização, a vós eu oro.

Atastes vossa mente, olhos e energias circulatórias à expansão da vacuidade.
Permitindo que vistes no canal central as formas [vazias] criadas pela fonte da essência vital.
Reflexões ilusórias vajra, como uma fumaça, desenvolvidas conjuntamente.
Vós completastes o galho da familiarização; a vós eu oro.

Vós usastes a respiração para bloquear energias circulatórias negras fazendo-as descer ao ventre.
Vós reunistes a vitalidade e as energias descendentes igualmente nos seis centros energéticos,
Bloqueando os movimentos dos seis elementos, sol e lua.
Vós completastes o galho da realização próxima; a vós eu oro.

Vós transcendestes os três selos para alcançar o incomparável Mahamudra.
A luz inata de sua imutabilidade, felicidade coemergente,
Criou seu corpo ilusório com dez faces, repleto com todos os poderes.
Vós completastes o galho da realização, a vós eu oro.

Vós bloqueastes as vinte e uma mil e seiscentas energias circulatórias e alcançastes as diversas formas da felicidade imutável.
Na coroa de vossa cabeça, a mente do despertar tornou-se estável,
E atravessastes os estágios do despertar em um instante.
Vós completastes o galho da grande realização; a vós eu oro.

Engajando-se na conduta que é causa direta da iluminação,
Vós desfrutastes de muitos prazeres e fostes espiritualmente tutelada pelo Buda Vajradhara.
Sua prosperidade se iguala à dele – seu corpo de treinamento da união integral
Trabalha por um número de seres igual ao espaço; a vós eu oro.

Vistes diretamente todos os fenômenos sem obscurecimento
E abristes inconcebíveis milhões de portas para estados medidativos.
Vós dominastes o tesouro secreto de todos os vitoriosos.
Consorte de todos os Budas, a vós eu oro.

Corpo da grande felicidade, vacuidade e compaixão inseparáveis,
Manifestação dos Budas ditosos, soberana das realizações comuns e supremas.
Bodisatva poderosa da décima terra do despertar, gloriosa guia dos seres
Que porta os ornamentos de ossos, a vós eu oro.

Seres sencientes, nossas veneráveis mães, errando ao longo da roda da vida
Em intermináveis e profundos oceanos de sofrimento.
Por meio de vossa compaixão universal,
Oro para que os guiem à terra pura da florescente e imaculada felicidade.

Cuidando dos seres afortunados que entraram no caminho;
Pacificais toda adversidade, dificuldades e obstáculos;
Continuamente realçando nossa experiência e realização.
E abençoai-nos com a completude das cinco caminhos e dez estágios do despertar.

(A Guirlanda de Flores Udumvara, pp. 3a-4a)