Metripa

METRIPA

O ilustre realizado e mestre Shauari aceitou Metripa como seu discípulo direto. [Metripa] havia recebido uma profecia dizendo que alcançaria a realização do supremo Mahamudra, durante o estado intermediário, depois da morte. O Conquistador Metripa, também conhecido como Advayavajra, foi o líder de um número infinito de pawos e dakinis e senhor dos profundos ensinamentos relacionados ao estado mental sem atividade, a natureza da mente última e essencial.

Enquanto vivia como um [praticante tântrico] secreto no Monastério de Vikramasila, ele consumia álcool e desfrutava de relações sexuais com uma mulher. Quando os demais membros da comunidade monástica descobriram isso, eles o expulsaram do local. Metripa estendeu um tapete feito de pele de antílope [sobre as águas] e usando seus pertences como remo, partiu deslizando e cantando a seguinte canção:

Buscar o nobre mestre traz felicidade.
Beber o néctar de seus profundos ensinamentos traz felicidade.

Neles alcançar experiências traz felicidade.
Alcançar nenhuma experiência em absoluto traz felicidade.

Ter uma visão sem medos ou expectativas traz felicidade.
Se ela [visão] é espontaneamente presente, isso traz ainda mais felicidade.

Engajar-se numa conduta sem preferências traz felicidade
Permanecer sem hesitação traz ainda mais felicidade.

Usar a mente para observar a mente traz felicidade.
Cortar o equivocado caminho dos medos e expectativas traz felicidade.

Permanecer em retiro nas montanhas traz felicidade.
Ter uma visão livre de medos e expectativas traz felicidade.

Guardar o lar, os amigos e parentes traz felicidade.
Viver na mendicância traz felicidade.

Comer a comida da grande felicidade traz felicidade.
Usar as roupas da luminosidade traz felicidade.

Praticar o caminho dos mensageiros traz felicidade.
Manter o foco na ponta do próprio nariz traz felicidade.

Cantando assim, ele deslizou livremente pela superfície das águas. Todos perceberam que se tratava de um mestre realizado. Arrependeram-se [por seus pensamentos e ações] e, da costa, a ele se prosternam.

Esse grande senhor e mestre espiritual tocou a poeira dos pés do nobre Shauari, na Gloriosa Montanha, no Sul [da Índia]. Quando Shauari concedeu-lhe a iniciação do Mahamudra, Metripa cantou o seguinte canto definindo a natureza da realidade:
A roda da vida e a transcendência são inseparáveis,
Como as ondas e a água.

Entre Budas e seres sencientes não há dualidade –
A diferença entre eles é como o veneno [antes e] depois de os mantras o neutralizarem.

A natureza singular da mente aparece de numerosas maneiras,
Como cristal que muda de cores em cada uma de suas faces.

Miríades de substâncias surgem, mas são apenas sua própria mente,
Como todos os rios possuem o gosto salgado ao atingir o mar.

Depois de abandonar todas as coisas reais ou imaginadas, sobra a mente original,
Como o rastro de um pássaro no céu.

Uma única lamparina
Dissipa mil anos de escuridão densa.
Da mesma forma, um instante de realização de sua própria mente
Dispersa a neblina espessa da raiva e do desejo na roda da vida.

A prática contemplativa que une método e sabedoria
Aquieta as ondas dos pensamentos dos sofrimentos da existência.

Uma jóia brilhante na lama
Não brilha, é sem forma, e nem vai nem vem.
No momento em que a realização do Mahamudra surge,
A mente se expande e torna-se vasta como o céu.

Claridade sem pensamentos é como o espaço.
Aparências, sem natureza intrínseca, são como a lua refletida na água.
Claridade sem apego é como o arco-íris.
Como o prazer de um(a) jovem, é indescritível.

Isso não é localizado e supera todos os limites.
Imparcial, não é manchado por qualquer coisa.
Como uma bola de cristal, que não se estraga no meio da lama.

A mente livre de medos e expectativas é como um leão.
A grande felicidade da mente flui ininterruptamente como um rio.
Como a luz do sol e da lua; é imparcial.

Que maravilha!
Essa mente auto-manifesta é maravilhosa!

Assente-se nesse estado inato, óh praticante,
E nele, não faça absolutamente nada para alterá-lo.
O estado sem fabricações é o despertar último em si.
O erro da fabricação impede a visão do caminho exaltado –
Deixe a mente-elefante correr livre.

Conhecendo o coração dessa prática meditativa,
Sem praticar, você alcançará o despertar.
Sem fazer absolutamente nada, você concluirá todas as tarefas difíceis.
Sem esforço, você alcançará a realização dentro de si.
Sem meditação, você alcançará a realização última.

As três existências são todas primordialmente liberadas –
Aqui, você não precisa afirmar ou negar qualquer coisa!

Essa é o canto vajra que define a visão.

E Ma Ho!
Que maravilha!

Se você deseja meditar sobre a natureza inata imutável,
Não é preciso consultar astrologia
Para verificar datas [auspiciosas], planetas ou estrelas.
Quando você se lembrar do Rei do Tempo [morte], o momento será exatamente esse!

Não procure o isolamento numa montanha em retiro;
A montanha do seu próprio corpo é o melhor santuário.

Não renuncie às suas distrações;
Quando você sabe que elas não são nada além do que sua mente multifacetada,
Elas surgirão como uma ajuda, como o mato numa floresta em chamas.

Não entre em retiro; não faça uma lista [daqueles que podem entrar]
Parar de falar é o melhor retiro.

Relaxe, como um tufo de lã-algodão.
Pare de fazer; não concentre sua mente.
Não contenha sua consciência – deixe-a.

Se você se tornar lerdo ou agitado, olhe diretamente para isso.

Deixe gradualmente os atos que prejudicam a sua mente.
Se o desejo ou a raiva surgirem, saiba que são demônios.

A mente deixada sem fabricações é o Buda.
Em todas as circunstâncias, andando, deitando ou sentando, relaxe.

A raiz de todos os pensamentos discursivos é a mente.
Quando não há mente, não há pensamento.

Assim que o suporte para a presença espontânea surgir,
Nenhuma raiva ou desejo pode sequer surgir no praticante.
A experiência da consciência imparcial é muito gratificante.

Assim que a corrente não fabricada nasce,
Nenhum julgamento pode sequer surgir no praticante.
Sem afirmar ou negar, aceitar ou negar, é animador.

Assim que a mente do despertar da equanimidade nasce
Nenhum “eu” ou “outro” pode sequer surgir no praticante.
Quando o eu e o outro são o mesmo, isso é a verdadeira equanimidade.

Permaneça nessas três existências primordialmente liberadas.

Esse é o canto que define a meditação.
Iti.

E Ma Ho!
Que maravilha!

Ser cuidadoso é a melhor conduta.
Não seja descuidado; seja vigilante e atento.
Qualquer coisa que aconteça, não coloque limites.

Faça de absolutamente tudo, como uma criança.
Seja absolutamente espontâneo, como um bebê.
Seja destemido, como um leão.
Não tenha hesitação, como um elefante entrando na água.
Não tenha preocupação com a limpeza – divirta-se como os cachorros ou os porcos.
Considere todos os lugares como tendo o mesmo sabor, como a mosca.
Não impeça o que surge naturalmente, como um louco.
Seja sem pontos de referência, como um espírito canibal.
Vá a qualquer lugar, como o vento.
Esse movimento sem apego é o melhor.

Sele qualquer experiência com a marca do estado inato.

Esse é o canto que define a conduta.

Sem medo ou expectativa, permaneça no estado inato da natureza da mente –
Sem atividade mental, você alcançará o estado meditativo inesquecível.
Sem se tornar um ser, você alcançará a visão imutável.
Sem se apegar, você alcançará a conduta imparcial.
Sem agregar causas, você alcançará o resultado que supera suas expectativas limitadas.
Sem ter feito absolutamente nada, você completará todas as tarefas difíceis.
Sem acumulação, você reunirá um tesouro inexaurível.
Sem encontro, você encontrará a companheira inseparável.

Como um vaso excelente ou uma jóia que realiza todos os desejos,
Esse resultado auto-manifesto é realmente maravilhoso.

Esse é o canto que define o resultado.

 

A Melodia do Amor:
Uma Súplica ao Grande Senhor Maitripa,
por Jamgon Kongtrul

Senhor Metripa, vossas grandes qualidades alcançam os limites do espaço.
E sua fama permeia a Índia e o Tibet.
Vós alcançastes o Mahamudra.
Advayavajra, aos vossos pés eu me prosterno.

Nascido na casta dos Brâmanes, vós vos tornastes um erudito não-budista,
Mas quando encontrou Naropa, vós vos convertestes ao Budismo.
Quando recebestes todas as iniciações e instruções que podia,
Vossas propensões kármicas anteriores despertaram, a vós eu oro.

Tornastes-vos um renunciante no Monastério de Nalanda.
E encontrastes vários mestres eruditos e realizados,
Como o onisciente que viveu durante os tempos de conflitos, Ratnakara-shanti.
Por meio disso, vós erguestes o estandarte do renome como um grande erudito; a vós eu oro.

Como um leão, vivestes no templo,
E alternastes períodos de ensinamentos e meditação.
Durante esse tempo, vistes a mãe de todos os Budas, Vajra Yoguini,
E recebestes suas profecias e ensinamentos; a vós eu oro.

Vós compreendestes que havia chegado o momento para a conduta interior, praticada secretamente,
Para auxiliar vossa absorção meditativa.
Diante daqueles que vos desafiavam, vós transformastes álcool e consorte
Em leite e sino; a vós eu oro.

Quando a comunidade monástica expulsou-vos de sua residência [monástica]
Vós deslizastes em cima de uma pele estendida sobre [as águas do] Rio Ganges.
Além disso, vós alcançastes inumeráveis outras capacidades comuns e ordinárias;
a vós eu oro.

Naquele momento, como ainda não tivestes alcançado a realização última,
Vós seguistes os conselhos de sua divindade de prática.
Partistes para os declives da Gloriosa Montanha e se juntastes ao Príncipe Sakara
Na busca de um mestre que tivesse alcançado a realização; a vós eu oro.

Encontrastes Shauari e suas duas nobres mulheres que o serviam.
Ele vos ensinou símbolos profundos
Concedeu iniciações e instruções.
E deu-vos permissão para ensinar o sentido da natureza última; a vós eu oro.

A sabedoria que vê a realidade última como ela é nasceu em vós
E vos tornastes o chefe de um número infinito de pawos e dakinis
No local central [da Índia budista, Bodhgaya]
Vós ensinastes e divulgastes amplamente as instruções sobre a não-atividade mental; a
vós eu oro.

No Bosque Fresco, vós vos entretivestes com a prática de entrada na morte,
E Mahakala realizou todos os vossos desejos.
Vós praticastes com olhar fixo, produzistes inúmeras emanações
E permanecestes em retiro na floresta; a vós eu oro.

Trouxestes a maturidade espiritual vários discípulos afortunados da Índia e do Tibet,
Como Gangadhari e Ratnadevi,
Bem como os quatro grandes mestres,
E fizestes com que viajassem para a expansão pura, a vós eu oro.

Após a morte, vós alcançastes a suprema realização do Mahamudra.
Vosso sublime corpo de sabedoria permeia todo o espaço.
No Norte [Tibet], a corrente de vossa atividade iluminada da essência dos tantras
Flui até o final da doutrina do Buda, a vós eu oro.

Metri-gupta, senhor poderoso, filho dos vitoriosos,
Pensais em mim, vosso filho, com amor compassivo.
E abençai-me com a realização do estado inato
Do inconcebível Mahamudra coemergente.

(A Guirlanda de Flores Udumvara, pp. 5a-b)