A Preciosa Guirlanda 06 – Cap 5 As Dez Coisas A Não Abandonar
1. Sendo a compaixão a raiz da realização do bem alheio, não abandone.
2. Sendo as aparências, a irradiação da própria mente, não as abandone;
3. Sendo os pensamentos, o jogo da vacuidade (dharmata), não as abandone.
4. Sendo as emoções perturbadoras a revelação da sabedoria, não as abandone.
5. Sendo os objetos de desejo, o adubo das experiências e da realização, não as abandone.
6. Sendo os sofrimentos e as doenças um mestre espiritual, não os abandone.
7. Sendo os inimigos e os obstáculos uma incitação ao reconhecimento da verdadeira natureza dos fenômenos (dharmata), não os abandone. Se desaparecerem espontaneamente, isto é realização. Não os rejeite.
8. Sendo o caminho do método o que conduz ao conhecimento transcendente, não o abandone.
9. Não abandone a atividade física que pode ser colocada a serviço do dharma.
A nona coisa que não deve ser abandonada é as diferentes práticas que envolvem atividades físicas, por que elas são práticas genuínas que amadurecem a mente e são benéficas. Isto significa não abandonar as prosternações, circumbalações, e outras práticas externas do Dharma porque isto realmente nos beneficia; elas realmente trazem resultados.
10. Não abandone a intenção de realizar o bem alheio, mesmo que se disponha de poucos meios.
AS DEZ COISAS A NÃO ABANDONAR – COMENTÁRIOS DE KHENPO KARTHAR RIMPOCHE:
Em seguida, as dez coisas para não ser abandonadas. Para começar, por ser a raiz de todos os benefícios que somos capazes de dar aos outros, a compaixão não deve ser abandonada.
A segunda coisa que não deve ser abandonada são as aparências. Visto que as aparênciassão a manifestação da natureza da mente, não é necessário abandoná-las. Tilopa apontou isso quando disse: “Não é pelas aparências que você está acorrentado, mas pela fixação a elas. Então abandone essa fixação.” Não é o que você experimenta que causa confusão, e sim a sua fixação na experiência como sendo algo inerente ao que aparenta ser. Portanto, somente essa fixação precisa ser abandonada, não a experiência em si.
A terceira coisa que não deve ser abandonada é o pensamento, porque é o jogo da natureza última ou dharmata. Como é dito na oração linhagem Kagyu, “A natureza do pensamento é o dharmakaya.” Se formos capazes de olhar diretamente para a essência do pensamento, então, qualquer pensamento que surja é auto-liberado.Se pudermos colocar isso em prática, não há necessidade tentar remover pensamentos ou abandoná-los de qualquer forma.
A quarta coisa que não deve ser abandonada se aplica principalmente àqueles com realização. Aflições mentais são indicações de sabedoria e, portanto, não devem ser abandonadas. A presença em nossa experiência de estupidez, aversão, orgulho, desejo e ciúme indica a presença em nosso contínuo da sabedoria do dharmadhatu, a sabedoria como um espelho, a sabedoria da equanimidade, a sabedoria discriminativa, e a sabedoria da atividade. Visto que as aflições mentais são apenas a manifestação das sabedorias que são a sua própria essência, alguém que tenha realização para experimentar isso diretamente, não precisa abandoná-las.
É importante analisar essa afirmação, pois pode parecer muito estranho. A pouco tempo atrás foi dito que se deve abandonar definitivamente as aflições mentais, e agora é dito que você não tem que abandoná-las. Isso não é uma contradição, mas a demonstração da diferença de maturidade dos praticantes, nos diversos níveis de ensinamentos. A abordagem para iniciantes, em que é preciso abandonar as aflições mentais, é como a necessidade de escadas para aqueles que desejam chegar ao segundo andar; por não terem asas, precisam subir um lance de escadas. O processo de subir escadas é como o processo de subjugar as aflições mentais. Aquele que têm asas, como um pássaro, não precisa usar escadas, pode voar diretamente até o segundo andar. Ter asas corresponde a ter a realização de ser capaz de aplicar a profunda sabedoria do mantra secreto. Assim, esses dois conselhos não são contraditórios, mas são direcionados para indivíduos com diferentes níveis de prática.
O quinto ponto nessa seção está na mesma categoria que a quarta. Os objetos de desejo que aparecem através dos cinco sentidos não devem ser abandonados, porque eles são a água e o adubo da experiência e realização. Para um praticante com alguma realização e experiência mais forte, não há fixação grosseira em sua existência inerente imputada. Não há fixação grosseira à sua suposta existência inerente. Não há um apego grosseiro ao ego e, na ausência disso, não há um sentimento ou conceito inerente de propriedade. Para certos iogues e yoginis não importa quantas coisas o cercam, não importa o quanto de riqueza ou prosperidade eles experimentem, eles não têm um sentimento de identificação de posse dessas coisas. É como se houvesse belos animais selvagens vagueando em torno deles. Se nós vemos os animais selvagens, nós não sentimos: “Esse é o meu tigre” ou “Esse é o meu veado.” Nós podemos aprecia-los, mas não há nenhum apego a neles.
Por exemplo, quando ofereceram a Jetsun Milarepa alimentos nutritivos e muitos saudáveis, foi de grande benefício para aumentar sua realização, mas ele não desenvolveu qualquer apego ao gosto dos alimentos. Não era uma questão de saciar o seu desejo, era uma questão de fortalecer seu corpo. Da mesma forma, os praticantes avançados podem usar comidas e bebidas como substâncias de festa. Existem práticas em que a roupa que vestem é consagrada como a armadura de mantra. Essas práticas são adequadas para praticantes avançados, com alguma experiência direta. É importante entender que as diferentes recomendações desse texto, são oferecidas aos praticantes de diferentes níveis.
A sexta coisa que não deve ser abandonada são as doenças, sofrimentos e dores, pois eles são excelentes professores. Quando nos distraímos e nos engajamos em coisas erradas, ou quando simplesmente não estamos atentos, ou quando a renúncia não é algo estável, algumas vezes um pouco de sofrimento pode nos lembrar, direta e efetivamente, do que não deve ser esquecido, o que deve ser renunciado, e o que é realmente sofrimento. Por exemplo, se experimentamos um pouco de dificuldade física como seres humanos, então devemos considerar o quanto deve ser desagradável renascer nos reinos inferiores, onde o sofrimento é muito pior. Isto deve nos inspirar a tentar não renascer nos reinos inferiores. Então, estas situações difíceis não devem ser evitadas, porque em alguns momentos podem ser de muita ajuda.
De acordo com Shantideva, nossas experiências de sofrimento podem ser benéficas, pois elas nos entristecem, e a tristeza nos traz de volta para nós mesmos e corta o nosso orgulho. Com a perda de nossa arrogância grosseira somos capazes de experimentar compaixão genuína pelos outros. Nós pensamos, “Se estou sofrendo tanto assim, se isto é desagradável, quanto isto pode ser para os outros?” e nós avaliamos o sofrimento dos outros. Isto nos leva a deixar as coisas erradas e o que é prejudicial para nós e para os outros, e nos leva para o que é naturalmente agradável e virtuoso. Então, há algum beneficio nestas experiências.
A sétima coisa que não deve ser abandonada são inimigos e obstáculos, pois eles nos incitam a praticar. Do ponto de vista Mahayana, a base para a nossa realização, a realização da natureza última, é cultivar qualidades como a paciência. O único caminho possível para se cultivar a virtude da paciência através de situações em que lidamos com algum infortúnio ou efetiva agressão. Por esta razão, pessoas agressivas conosco são nossos ajudantes na prática, e desde que elas surjam naturalmente, é dito que são incentivos naturais para a prática. Eles são também os incentivadores que nos dirigem para a realização da verdadeira natureza de todas as coisas, que é a budeidade.
No entanto, se os inimigos e os obstáculos desaparecem espontaneamente, é sinal de realização (siddhi) e você não deve rejeitar o resultado. Se situações desagradáveis sumirem, mesmo quando você não faz nenhum esforço para removê-las, você não deve tentar trazê-las de volta. Se você tem mérito e realização, em muitos momentos isto pode causar situações em que outros são agressivos com você e são pacificados naturalmente. Quando isto acontece, você não deve pensar que algo errado aconteceu. Por exemplo, quando o rei tentou matar Acharya Nagarjuna com uma variedade de espadas cortando seu pescoço, o rei não foi capaz de ferir Nagarjuna porque Nagarjuna não tinha o karma de ser ferido. Do mesmo modo, alguém com realização não encontrará muitos inimigos e obstáculos, e isto é sinal do siddhi; é o sinal de realização. Só porque a presença de inimigos não é algo necessariamente ruim, a falta de inimigos também não necessariamente o é.
A oitava coisa que não deve ser abandonada é o progresso metódico e gradual em seu estudo e prática, pois é isto que nos eleva à altura à compreensão última. Não devemos pensar que o progresso gradual através dos vários estágios ou veículos de prática deve ser abandonado por parecer não ser o sentido final dos ensinamentos do Buddha. Tal pensamento é incorreto. Todas as grandes escolas e siddhas do passado começaram aprendendo no vários estágios e veículos dos ensinamentos do Buddha, e a partir destas bases, chegaram finalmente ao conhecimento definitivo associados ao Vajrayana. Para o nosso próprio progresso devemos praticar de uma maneira que irá gradualmente amadurecer nossa compreensão do Dharma. Há muitos estágios para isto e eles devem ser cultivados. Da mesma forma, não devemos abandonar ou rejeitar as várias apresentações do Dharma que são feitas em estilos e níveis diferentes, porque estas são apropriadas para as necessidades e disposições dos diferentes seres.
A nona coisa que não deve ser abandonada é as diferentes práticas que envolvem atividades físicas, por que elas são práticas genuínas que amadurecem a mente e são benéficas. Isto significa não abandonar as prosternações, circumbalações, e outras práticas externas do Dharma porque isto realmente nos beneficia; elas realmente trazem resultados.
A décima coisa que não deve ser abandonada é a intenção de beneficiar os outros, mesmo quando você não tem muitas habilidades para beneficiá-los neste momento. Frequentemente, quando as pessoas começam a praticar elas pensam, “Qual é o beneficio de dizer, “Estou fazendo esta prática para beneficiar outros. Eu ajudarei outros no futuro dessa ou daquela maneira? Uma vez que, de fato, não estou fazendo nada que beneficie aos seres neste momento, qual o significado disto? Eu não posso fazer nada para ajudar alguém.”” De fato, há o mesmo potencial para que esta atitude altruística produza resultados concretos, como há na semente para produzir a flor. Se você diz que não há beneficio no altruísmo, é como dizer que a semente não gerará a flor. Como o altruísmo em si não é benéfico para os outros, a semente não é a flor. Uma semente não é mesmo um broto. No entanto, sem a semente não existe a possibilidade de ter broto, folhas e flores; então é importante iniciar com a atitude e intenção pois assim você se tornará de grande, vasto beneficio para outros.
Ao iniciar o caminho ninguém pode realizar os atos grandiosos de um Bodhisatva. Quando Buddha gerou pela primeira vez a intenção de realizar a suprema iluminação ele ainda era incapaz de fazer muito pelas pessoas. Com o correr do tempo, então, ele se tornou extraordinariamente capaz de ajudar outros. Atualmente, as pessoas têm muitas dúvidas a respeito disto. Quando instruções são dadas dessa maneira, como as instruções sobre a boddhicita, as pessoas normalmente dizem, “Que uso tem isso? Eu não posso fazer nada.” É importante não abandonar o altruísmo somente porque você não percebe sua capacidade de fazer muita coisa agora.
Estas são as dez coisas a que não devem ser abandonadas.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
P: Eu tenho uma pergunta sobre as formas comuns e incomuns da atenção plena. Será que elas se aplicam quando nós começamos a comer, a cair no sono, ou começamos a andar, ou através do todo processo de caminhar ou comer? Elas estão presentes no inicio ou no contínuo?
R: Se você praticar as formas comuns ou incomuns de desenvolvimento da atenção plena, deve ser o mais contínuo quanto possível. Claro, por se envolver em uma variedade de atividades, não é possível permanecer continuamente absorto em uma determinada contemplação ou em uma meditação particular. No entanto, deve fazê-lo no início de qualquer atividade, e fazê-lo sempre que vem à mente como a atividade continua, se está comendo, andando, ou em qualquer outra atividade. Quanto mais continua melhor. Não é o caso de você simplesmente gerar uma visualização ou contemplação no início, e em seguida, esquecê-la.
P: Eu não tenho certeza se entendo os três tipos de fé. Eu acredito que o primeiro tipo é a fé da clareza e o segunda tipo é a fé do desejo. Isso quer dizer que o desejo de se tornar iluminado, ou há mais do que isso?
R: Sim, está correto. Pode haver alguma confusão sobre o termo “desejo”. Esse tipo de fé, a fé do desejo, é reconhecer o valor da obtenção da liberação e onisciência ou estado de Budha. O pensamento: “Eu realmente quero atingir esse estado, portanto, vou fazer o que for necessário para alcançá-lo”, é diferente do convencional ou desejo mundano, em que eu quero experiências agradáveis de todos os tipos. A fé do desejo não é com base em um erro ou um equívoco, se baseia no querer aquilo que realmente vale a pena. Embora a forma do pensamento seja em um sentido paralelo ao desejo convencional, o objeto é completamente diferente.
P: “Das dez coisas a serem abandonadas”, a oitava é; abandonando as atividades que causam a perda de fé no Dharma. Você poderia esclarecer a que se refere a nossa própria perda de fé no Dharma ou a perda de fé no Dharma dos outros através de ver nossas ações?
R: O ponto da oitava, das dez coisas a serem abandonadas é abandonar conduta estranha que faz com que outras pessoas tenham desrespeito ao Dharma. Isso pode ocorrer quando você tem algum tipo de experiência na prática que o leva a sentir um desejo a agir de uma forma estranha. Nesse caso, ele irá prejudicá-lo, porque isso será enganoso, e vai prejudicar aos outros. Ou você pode ter algum grau de realização que leva a agir de uma forma estranha. Isso não pode prejudicá-lo, mas pode prejudicar outras pessoas, porque outras pessoas não podem ver a sua realização, elas só podem ver o que você está fazendo. Se você fizer as coisas que parecem estranhas ou impróprias para elas, elas vão assumir que há algo de errado com você, e, uma vez que é suposto ser um praticante exemplar, há algo de errado com as instruções ou o caminho que o levou a se comportar de tal maneira. Você está fazendo com que os seres sencientes tenham desrespeito ao Dharma, que os afasta do Dharma, é uma tremenda fonte de karma ruim para eles. A responsabilidade de alguém com realização é manter e fomentar o Buddha-dharma, para fazer com que floresça e para ser um professor exemplar para os outros. Se agir de tal maneira, na qual não deve ser feito, você não está mantendo suas responsabilidades.
P: Gostaria de saber se você poderia dar alguns exemplos?
R: Eu posso dar um exemplo de mim mesmo. Estou sempre falando sobre como são importantes a bondade amorosa e a compaixão, enquanto estou comendo carne durante todo o dia.
P: Você comentou sobre muitos pontos fortes feitos por Gampopa, nesse texto. Para nós, é possível ou necessário colocar todos esses pontos em prática?
R: Primeiro de tudo, Gampopa dá uma variedade de instruções e gera um grande número de pontos nesse texto, e não se destina apenas a uma pessoa. Ele contém métodos e instruções destinadas a orientar os indivíduos a partir do início do seu caminho até que atinjam o estado de Buda completo. Ele também contém instruções destinadas a diferentes tipos de pessoas. Você tem que fazer a distinção entre estudar o texto e colocá-lo em prática. No contexto do estudo e análise do texto deve ser lido do começo ao fim, em sua totalidade, e chegar a um coeso entendimento definitivo. Por outro lado, quando colocar em prática, você seleciona partes do texto como conselhos pessoais, apropriados à sua situação. No contexto de prática, não é importante passar por todo o texto do começo ao fim e lembrar cada coisa dele.
P: Na primeira estancia, das dez causas de perda, o termo “sem sentido” foi utilizado em termos de atividade sem sentido e distrações sem sentido. Isso significa que muitas das coisas que fazemos devem ser evitadas, como assistir TV, ouvir música, ou tirando uma soneca? É isso que é chamado de “atividade sem sentido”?
R: De um ponto vista convencional ou mundano, claro, quando você está muito cansado do trabalho e de todos os tipos de atividades que você não tem escolha a realizar, talvez seja necessário para relaxar. Normalmente no mundo, não consideramos isso uma perda de tempo, ver um espetáculo de algum tipo, tirar um cochilo ou simplesmente relaxar. A questão aqui é que não temos muito tempo para praticar, e não queremos desperdiçar o pouco tempo que temos. Tendo-se comprometido a gastar um determinado período de tempo diário praticando o Dharma, em vez disso, usou o tempo para relaxar e se divertir, seria definitivamente uma atividade sem sentido, uma causa de perda ou desperdício.
P: A pergunta que eu tenho diz respeito ao desenvolvimento de coragem e confiança na prática do Dharma em face aos obstáculos. Eu sou um chefe de família com um filho, e trabalhando. Não tenho o habito de praticar todos os dias. Eu sei que a prática constante é importante. Contemplando os quatro pensamentos como é feito no início de prática do ngondro, sensibilizando-nos para o fato de que essa é uma preciosa vida humana, que tudo é impermanente, que a lei do karma é verdade, e que não devemos nos apegar aos prazeres mundanos. No entanto, continuam sendo impulsionados por padrões habituais, é difícil ter tempo para fazer a prática formal. Qual é a melhor maneira de trabalhar com isso e tornar-se um forte praticante?
R: De uma forma ou de outra, todos tem que lidar com essa situação. A principal coisa em trabalhar com isso é, como disse anteriormente, não deixar ninguém se apossar de sua “corda de nariz”, significa estar no controle de sua própria direção e suas próprias decisões. Alguém que tem uma total convicção sobre os quatro pensamentos que transformam a mente não terá qualquer dificuldade em praticar Dharma. Se você achar que, apesar de compreendê-los, você não consegue praticar porque as coisas sempre ficam no caminho, indica que você não confia neles completamente ou está afligido por medos e esperanças. Embora tenhamos estudado a impermanência e os defeitos do samsara, tendemos, por um longo tempo, a manter interiormente a esperança de que nunca vamos morrer, dando uma sensação de espaço, de tempo de espera para a prática. Apesar de ter estudado os defeitos do samsara, dentro de nós existe a dúvida se realmente é tão ruim assim, e a dúvida faz com que seja fácil adiar a prática. Se alguém tem total convicção sobre a validade dos quatro pensamentos que transformam a mente, ele ou ela não terá qualquer dificuldade em praticar.
O fato de você ter acesso ao Dharma, estando envolvidos em tais práticas, indica que você acumulou muito de mérito no passado, significa também, pela quantidade de méritos, que você pode construir o hábito de praticar o Dharma em relação ao hábito de não praticar. Pensando que o Dharma está em tudo, pensando em outras coisas como nos quatro pensamentos que transformam a mente, pensando “Eu tenho que encontrar tempo para praticar”, indica o hábito prévio de prática do Dharma, é algo para dar confiança a si mesmo e pode ser construído.
Quanto à prática, a principal a ser praticada é o ngondro, que chamamos de preliminares. Na verdade, ngondro é um termo equivocado, pois implica em ser um tipo secundário de prática ou preliminar, ou seja, algo que começamos fora do caminho para irmos até a prática real. Normalmente as pessoas têm a ideia que, ao terminarmos o ngondro, vai ser muito melhor, muito mais eficaz, e certamente, muito mais interessante. Mas isso é incorreto, pois os temas trazidos e as técnicas apresentadas no ngondro são a essência de todo o Dharma, não são realmente preliminares. Em particular, a base e a essência de toda a prática do Dharma são o refúgio e a geração de bodhicitta. Bodhicitta é a remoção de obscuridades. Bodhicitta é a realização da iluminação.
As outras práticas mais centrais são; a prática de Vajrasattva que é a remoção de obscuridades, os vários padrões habituais e confusões que impedem a prática do Dharma e são as razões pela qual temos que praticar em primeiro lugar. O acúmulo de mérito através da oferenda de mandala, que leva diretamente para o abandono do apego ao ego, a falsa imputação de um eu inerentemente existente, por isso que se diz que o Dharma é tudo. Finalmente, o guru yoga que é a melhor forma para aperfeiçoar todas as qualidades e remover todos os defeitos. A essência do Dharma é a percepção de que a sua mente, em sua natureza sempre foi e sempre será o próprio Dharmakaya, é o guru ioga que desperta esse tipo de experiência e realização.
Se você entender a eficácia e a profundidade do ngondro terá prazer e respeito, e será capaz de praticá-lo, tanto quanto possível. Agora, se você tem um monte de responsabilidades, por exemplo; o trabalho, uma casa, uma criança para cuidar, e assim por diante, o seu tempo é mais limitado do que a de alguém sem responsabilidades. Mas não importa quantas responsabilidades que venha ter, se você realmente quer praticar, vai definitivamente achar pelo menos algum tempo para isso, e o desejo de prática leva à criação de oportunidades para fazê-lo. Caso contrário, se não houver um desejo forte, intenso para a prática o mais rápido possível, você encontrar-se-á procrastinando. A causa da procrastinação é simplesmente uma falta de motivação, e a maneira de superar o hábito da procrastinação é a própria prática. Quanto mais você praticar, mais você vai querer praticar, e você criará um hábito crescente, que reforça a si mesmo. Assim, a melhor coisa para você fazer é continuar a praticar, seguir em frente, e que em si é a solução para o problema de não ser capaz de praticar. Não há outra solução necessária. Quanto mais você praticar, mais você irá beneficiar não só a si mesmo, mas todo mundo que entra em contato com você, especialmente os seus filhos e aqueles que vivem com você.
P:- Você disse que não devemos abandonar nosso inimigo porque ele deve nos ensinar a paciência. Suponha que um homem tem uma esposa que não o deixa estudar o Budismo ou se associar com lamas e professores, e não deixará que ensine a seus filhos o Budismo porque ela e as pessoas ao seu redor são católicos. Esse homem deve abandonar seu inimigo da mesma forma que os tibetanos deixaram o Tibet após a invasão chinesa, ou deve praticar o Budismo quieto e pacientemente em sua casa e não falar para seus filhos do Budismo até que, talvez no futuro, a chance surja para ele assim o fazer?
R:- Eu não posso afirmar o que tal pessoa deve fazer. Se essa pessoa puder ser paciente com o que sua esposa possa fazer, esta é a melhor coisa, pois a paciência é o caminho mais efetivo para o desenvolvimento de nossas qualidades. Por outro lado, se ele não puder ser paciente com a situação e isto o levar a agressão de sua parte, e o levar a ter problemas, então será difícil dizer que é particularmente bom. Os detalhes específicos desta situação são muito importantes, então eu não posso dizer em geral que ele deve ficar ou deve partir. Isto varia de caso a caso.
De fato, há dois tipos de conselhos neste contexto que entram em jogo aqui e eles podem parecer contraditórios a princípio. Um diz para não abandonar seus inimigos porque ajudam a desenvolver a paciência. O outro diz para abandonar companhias nocivas pois eles obstruem o Dharma. Não é uma contradição. Alguém capaz de ser paciente com a agressão dos outros, especialmente em situações que não é possível evitá-los, pode usar a agressão de outros para promover a prática da paciência. Se a agressão é muito forte para se manter paciente e isso impedir sua prática do Dharma, então é melhor se afastar desta situação.
Quanto à situação dos refugiados tibetanos, durante a invasão muitos saíram para serem capazes de praticar o Dharma em outro lugar, enquanto outros simplesmente fugiram para salvar suas vidas. Em geral, desde essa época, eles se envolveram em atividades correspondentes com as razões de suas vidas. Aqueles que deixaram para praticar o Dharma, praticaram muito o Dharma, e aqueles que saíram simplesmente para sobreviver, fizeram o seu melhor para sobreviver e enriquecer se possível.
Esta é a situação geral. A respeito do que uma pessoa específica deve fazer neste tipo de situação que você descreveu, não posso dizer de antemão.
P:- O compromisso estável significa que quando estou praticando Hevajra eu não posso mudar para o Kalachakra? Se estou entoando um mantra, quantas vezes devo entoá-lo antes de mudar para outro?
R:- Isto depende de cada indivíduo. Alguém que tem fé ou pleno conhecimento e reconhece que todas as deidades encarnam as qualidades completas e poder de Buddhahood precisa praticar somente uma deidade. Não é um ponto particular importante qual ela é, já que a deidade na qual ela ou ele tem completa confiança. Alguém que não tenha essa compreensão, mas vê coisas num caminho conceitual e pensa que precisa praticar uma deidade para ter riqueza, uma deidade para obter a iluminação, uma deidade para atividade vigorosa, uma deidade para a pacificação, e assim por diante, terá que praticar deidades diferentes para obter os respectivos resultados. Alguém que tenha o profundo conhecimento que elas são todas as mesmas, realizando uma, realiza todas.
P:- Estou fazendo esta pergunta para um amigo que pratica o Budismo da Terra Pura. Ele pergunta se há algum método especial no Vajrayana que leva ao renascimento em Dewatchen, e exatamente quantas vezes devemos entoar um mantra específico para garantir o renascimento em Dewatchen?
R:- Há uma diferença entre o sutra e a apresentação tântrica da prática de Amitabha nos métodos que eles são aplicados. A raiz e a intenção de ambas são as mesmas – obter renascimento em Dewatchen, a terra pura. A principal diferença é que no contexto da prática sutra consideramos nós mesmos como seres comuns e mantemos nosso conceito comum do corpo, palavra e mente. Reconhecemos a presença de Amitabha no centro do seu reino puro e suplicamos para ele. Isto é algo como se alguém estivesse na prisão suplicando a um indivíduo poderoso de fora para fazer o possível para tirá-lo da prisão. Isto é basicamente a visão sutra.
Na visão tântrica, a súplica para Amitabha é exatamente a mesma, mas em vez de trazer para a mente que Amitabha está em Dewatchen. realmente visualizamos o reino de Dewatchen, incluindo Amitabha, em frente de nós enquanto ele está presente na nossa própria experiência. Também, não nos consideramos sendo comuns, mas consagramos nosso corpo como uma deidade, nossa palavra como mantra, e assim por diante. Seguindo com a analogia acima, é como se para nos livrarmos do nosso aprisionamento, não apelamos apenas para alguém de fora nos livrar da prisão, mas também desenvolvemos o poder em nós mesmos que nos capacita a sair.
A razão para a diferença de aproximação é a visão. Um aspecto da visão Vajrayana é que todos os corpos e reinos dos Buddhas como Amitabha já estão espontaneamente presentes em nossa mente. Podemos experimentá-los externamente apenas por causa da sua presença espontânea dentro de nós, e este tipo de liberação pode ocorrer com a reunião das condições internas e externas. Por exemplo, o sol é algo fisicamente externo a nós, mas para vermos o brilho do sol temos que ter olhos, e nossos olhos tem que estar abertos. Do mesmo modo, a liberação dentro do reino de Sukhavati é considerada do ponto de vista Vajrayana a ser realizado através da interdependência de condições externas e internas. No que diz respeito a recitação de mantras, diferentes mantras e práticas associados com este ciclo. Não seria possível dizer que temos que recitar um número específico para obter o renascimento em Dewatchen.
P:- Como sabemos se somos adequados para a prática Mahayana ou Vajrayana? A prática Vajrayana é muito perigosa? Se quebrarmos os votos cairemos no inferno Vajra.
R:- Em geral, as pessoas se encontram com os professores, que ensinam nos diferentes veículos, de acordo com as suas próprias disposições e na medida do seus próprios méritos. Quanto ao que é adequado aos indivíduos praticarem entre os diversos veículos, devem praticar o que os professores a qual se tornam naturalmente ligados enfatizam, deveriam ensinar o que está em conformidade com a sua própria confiança e visão sobre o Dharma. Isto não é somente verdadeiro com respeito ao Mahayana e Vajrayana, isto é verdadeiro em todos os níveis de Ensinamentos Budistas – Hinayana, Mahayana, Vajrayana, e assim por diante. Basicamente, você pode praticar o que você quiser, o que surge naturalmente para você, e para onde sua inclinação está voltada. O ponto principal é seu interesse e confiança nos ensinamentos, assim você deve praticar qualquer ensinamento que você tiver a maior confiança.
A respeito do perigo do Vajrayana, é verdade que o Vajrayana tem grande eficácia e pode ser também perigoso. O Vajrayana apresenta um caminho para pessoas com grande conhecimento, que são capazes de serem muito cuidadosas e metódicas em suas práticas. Apresenta um caminho através do qual estas pessoas podem, usando os excelentes métodos do Vajrayana, obter o despertar de muitas maneiras efetivas. É verdade que se alguém não tem esse tipo de conhecimento, não é diligente, e especialmente carece de fé e devoção, ela ou ele poderá violar o samaya, os compromissos do Vajrayana.
Na prática, porém, é preciso fazer uma distinção entre dois tipos de iniciação, uma vez que o samaya ou compromisso da iniciação foram aceitos. Podemos distinguir entre a iniciação que é uma benção e o que é chamado de iniciação último e real. Através da fé e confiança no lama, você deverá receber dele ou dela uma benção de iniciação que envolve várias substâncias, vasos e assim por diante coisas que serão colocados sobre sua cabeça e mantras recitados para você. A função disto é plantar uma semente para sua futura liberação, baseado sobre o processo de iniciação e sua própria abertura e fé nele. Este processo e método têm sua característica especial e qualidade do Vajrayana e é muito benéfico para os indivíduos envolvidos. Devemos distinguir entre este e a iniciação última, no qual o estudante, no momento que recebe o iniciação, gera a sabedoria associada com a iniciação através do entendimento completo de tudo que está acontecendo. Se alguém recebeu a iniciação última e então não faz nenhum uso dela e não pratica, mas só está envolvido em atividades mundanas e vira as costas para o Dharma, então esta pessoa poderia certamente quebrar o samaya.
Há, é claro, a forma comum de iniciação de benção, entretanto, quando as pessoas recebem esteiniciação, em geral não entendem nada do que está acontecendo. Não entendem exatamente o que deve ser praticado e o que deve ser rejeitado, estão se comprometendo talvez para receber o mantra, visualizar a deidade, e assim por diante. Em termos práticos, é pouco provável que as pessoas em tais situações vão se prejudicar com vajrayana.
P: Você poderia explicar a diferença entre um voto comum e o samaya?
R: Voto ou dompa em tibetano, e samaya, ou damtsig, são basicamente termos diferentes para a mesma coisa. Em geral, o termo dompa, que normalmente é traduzido como voto, é usado nas discussões sobre o sutra, e o termo damtsig ou samaya é usado no contexto do tantra. O termo dompa significa “aquilo que segura” no sentido de nos proteger da perda ou enfraquecimento das qualidades do caminho que adquirimos, e nos protege da invasão de obstruções exteriores – por isso mantém e protege. Uma metáfora para isso é um cinto. O motivo de atar-se com um cinto é para impedir que sua roupa fique solta. Por exemplo, se você usa o cinto para manter uma chuba fechada, ele também impede a chuba de cair segurando a chuba fechada, mas também protege o seu corpo do vento, do sol e de tudo o mais, mantendo a chuba fechada. Votos ou dompa são assim. Eles atam, e atando, eles protegem. Este termo é, basicamente, o que é usado nos sutras ou é comum a ambos sutra e tantra.
O termo usado na maioria das vezes em tantra é damtsig, que literalmente significa “palavra que obriga” ou “comando”. A analogia aqui é com a palavra de comando de um rei, de cuja desobediência significa certamente a morte. A ênfase está no perigo de ignorar as prescrições e as proibições do samaya, mas o perigo não vem do medo da punição como acontece com um rei, mas porque samaya é uma expressão natural da qualidade do ensinamento vajrayana. Não é um comando arbitrário imposto a nós; é simplesmente as regras que devem ser seguidas para que as qualidades não se transformem em defeitos. Por exemplo, se você estiver viajando em um automóvel existem certas regras que devem ser seguidas para evitar que você se mate. Se você estiver viajando em um avião, há mais regras porque as qualidades e a eficácia do veículo são maiores. Se pular de um avião você morre, e se pular fora do vajrayana, você irá para o inferno vajra. O rigor ou a ferocidade da samaya é diretamente proporcional às qualidades do Vajrayana.
P: O décimo ponto sobre as dez coisas necessárias para praticar o dharma fala sobre a aplicação de uma realização ou compreensão que não possua o “defeito da reificaçã”. Eu realmente não entendi o que o defeito da reificação significa, e eu estou interessado em saber mais sobre o que podemos fazer para evitá-lo.
R: Em primeiro lugar, o texto-raiz a partir do qual esta explicação é derivada tem a declaração: “É preciso que a nossa visão de todas as coisas não se desvie para a reificação ou a falsa imputação de solidez e o hábito de tomar por inerentes as características presentes; e nós evitamos isso, por meio do conhecimento, compreensão e realização”. Isto significa que em relação a tudo o que vivenciamos, devemos transcender a ego-apreensão, ou mais precisamente, a falsa imputação de um eu inerentemente existente e a falsa imputação de solidez ou realidade de nossas experiências. Isto é verdade não só com as coisas em geral, mas também com a nossa atitude em relação ao Dharma e a prática do Dharma. Quando estamos meditando sobre uma divindade, se nos fixarmos na solidez daquela meditação e considerarmos a divindade como algo com uma existência física externa, com um corpo de carne e osso que se pareça com essa divindade particular, então há um equívoco. Esse ponto de vista não vai levar à realização. Se há uma fixação sobre as características ou forma da divindade como sendo qualquer coisa que não seja uma expressão da sabedoria que a divindade corporifica, não vai levar à realização a que a prática deveria levar. É o mesmo quando estamos considerando reinos puros. Se pensar que o reino de um Buddha é algo que existe em um lugar específico e é feito de objetos sólidos com forma tal e tal, como o mundo que experimentamos, se nos fixarmos em uma imputada solidez e em imputadas características daquele reino, isso não vai levar para a libertação naquele reino porque simplesmente perpetua nossa ordinária forma de experiência.
Diz-se que a forma de uma deidade, e, por conseguinte, a forma do reino daquela divindade é um corpo de luz cuja essência é sabedoria. Luz aqui não significa luz física; significa uma presença que é totalmente insubstancial. A divindade ter o aspecto da sabedoria significa que a forma é apenas a personificação da sabedoria, eficácia e atividade para o benefício dos seres que são a divindade. Portanto, diz-se que a forma da divindade é como raios de luz do arco-íris, e a essência da divindade é a própria sabedoria. Em última análise, no entanto, esta declaração refere-se ao fato de que a nossa compreensão final deve ser a realização do vazio que é totalmente sem qualquer tipo de elaboração, sem qualquer realizador e realização, qualquer tipo de atitude intelectual ou posicionamento algum. Assim, o ponto final é a transcendência da mente conceitual.