A Preciosa Guirlanda 07 – Cap 6 As Dez Coisas a Serem Reconhecidas ou Compreendidas

Em seguida, vêm as dez coisas que devem ser conhecidas ou compreendidas. Considerando que o conjunto anterior; “as coisas que não devem ser abandonadas” devam ser colocadas em prática, estas devem apenas ser compreendidas.

1. Uma vez que as aparências exteriores são confusão, reconheça-as como sendo ilusórias.

2. Uma vez que os fenômenos mentais internos são desprovidos de uma existência em si (self), reconheça-os como sendo vazios.

3. Uma vez que os pensamentos surgem de forma condicionada, reconheça-os como sendo adventícios.

4. Uma vez que o corpo e a palavra, compostos por elementos, são compostos, reconheça-os como sendo impermanentes.

5. Uma vez que o prazer e o sofrimento dos seres sencientes surgem do karma, reconheça a lei da causalidade como sendo infalível.

6. Uma vez que o sofrimento é causa de renúncia, reconheça-o como sendo um amigo-espiritual.

7. Uma vez que o prazer e o conforto são a raiz do samsara, reconheça o desejo-apego como sendo Mara.

8. Uma vez que as distrações são condições prejudiciais à acumulação de mérito, reconheça-as como sendo obstáculos.

9. Uma vez que os obstáculos incitam à prática da virtude, reconheça os inimigos e obstrutores como sendo seu lama.

10. Uma vez que, na verdade última, todas as coisas são desprovidas de natureza própria, reconheça todos os fenômenos como sendo o mesmo.

AS DEZ COISAS A SEREM RECONHECIDAS OU COMPREENDIDAS – COMENTÁRIOS DE KHENPO KARTHAR RIMPOCHE:

A primeira coisa a se compreender é que as aparências externas são as manifestações da nossa confusão. Devemos reconhecer que a nossa forma de experimentar o mundo não tem qualquer validade ou verdade inerente. A nossa forma de experimentar o mundo é baseado no apego-ego, a falsa imputação de uma auto existência inerente. Portanto, imputamos uma verdade ou realidade de nossa experiência do mundo, que é igualmente falsa, porque as coisas que nós experimentamos são simplesmente a exibição de nossa própria mente.  Se reconhecermos isso, as nossas experiências são em si a auto liberação, não haverá fixação sobre o que nós experimentamos. A forma de experimentarmos o mundo é como ver o reflexo da lua na água. Não é mais válido dizer que o que experimentamos é uma realidade objetiva do que dizer que o reflexo da lua é outra lua, ou seja, que há uma lua no céu e outro na água. Isto é válido na medida em que é uma experiência, mas em si não é a lua, e sim um reflexo.

Nos experimentamos coisas dessa forma em virtude de nossos hábitos e por influência de nossas ações passadas. Reconhecendo isso é reconhecer o mal ou engano oculto na forma como experimentamos as aparências. Para ilustrar a diferença entre o reconhecimento disso ou não, suponha que alguém diz que fora desse país, para além de uma cadeia de montanhas, existe um reino magnífico cheio de coisas deliciosas. Se ainda não o viu, não pode concebê-lo, por não ter a experiência disso. Trata-se de algo  que você apenas ouviu falar. Você pode acreditar ou não, mas não tem uma ideia definitiva sobre isso. Alguém que realmente tenha estado lá saberia. Da mesma forma, quando você reconhece o fato de que a forma que você experiência o mundo não tem uma validade inerente, além de ser simplesmente a sua maneira de experienciá-lo, a fixação por ele diminui.

O segundo ponto é que, uma vez que a mente em si (interna, em oposição à aparência externa) não tem existência inerente, deve ser reconhecida como vazia. Ao reconhecer o vazio ou ausência de existência inerente da mente, três tipos de fixações podem ser dissipadas. Trata-se de fixação na mente como sendo um eu (self) , fixação na mente como algo real, e fixação na mente como algo sólido.

O terceiro ponto é que os pensamentos surgem a partir da união de diversas condições, e devem ser reconhecidos como adventícios, significa que subitamente aparecem e desaparecem, e não de forma inerente à natureza da mente. Esse reconhecimento é importante, porque se nós acreditamos que os pensamentos são reais e sólidos, a fixação aos pensamentos produz por esse equívoco, um acúmulo de karma, através do poder dos pensamentos.

A quarta coisa a ser entendida é que este corpo e fala que são produzidos a partir dos elementos são coisas compostas. Elas não são coisas unitárias e, portanto, são impermanentes. Ao reconhecer a impermanência e a natureza composta do nosso corpo e fala, a tendência a se fixar sobre eles como coisas permanentes e sólidas são dissipadas.

A quinta coisa a ser entendida é que as experiências vividas pelos diversos tipos de seres vivos, de prazer e sofrimento surgem do karma, a partir de suas ações anteriores. Portanto, deve ser compreendido que os resultados das ações são infalíveis, o que você fizer, vai produzir certo resultado, que será vivido por você. O que você experimenta é definitivamente um resultado de suas próprias ações anteriore.

O sexto ponto é que o sofrimento e a doença são um motivo de renúncia estável para um praticante de Dharma, portanto, deve ser entendido como um tipo de professor valioso. Primeiro de tudo, a experiência da doença e do sofrimento, se for vivida com consciência por um praticante, é uma das causas de sua felicidade futura, pois irá esgotar o carma que o produziu. Se a doença não for experimentada agora, e o karma amadurecer-se mais tardiamente, a experiência de sofrimento será muito mais intensa, com um período de tempo muito mais longo. Além disso, a doença e o sofrimento exortam o praticante à renúncia, porque eles mostram que há karma negativo. Portanto, como praticante, você deve regozijar-se na presente experiência do sofrimento, e também usá-lo para continuar a sua renúncia ao reconhecer que isso significa que você ainda tem o carma que poderia leva-lo a um enorme sofrimento futuro.

O sétimo ponto é que como apego ao prazer e felicidade é a raiz do samsara, devemos saber que esse apego é devaputra-mara, ou lhai bu’i du em tibetano – significa que o demônio é o filho dos deuses. As experiências dos três reinos do samsara surgem do apego ou fixação na experiência de prazer e na tentativa de adquiri-la. Intoxicação com esta experiência do prazer é a causa dos sofrimentos do samsara. Portanto, este tipo de experiência deve ser reconhecido como o devaputra-mara.

O oitavo ponto é que, uma vez que as distrações e diversões são impedimentos para a acumulação de mérito, devem ser entendidas como obstáculos para a prática do Dharma. Se dedicamos o nosso tempo para distrações e diversões sem sentido, interrompendo a nossa prática, é uma forma de procrastinação da nossa prática. Isso interrompe nossa prática, fazendo como as coisas tomem muito mais tempo para serem concluídas. Isso rouba a nossa acumulação de mérito e, portanto, deve ser entendido como algo que devemos evitar.

A nona coisa a se compreender é que os obstáculos para a prática que surgem através de circunstâncias súbitas ou condições, como ações agressivas por outros, doenças e etc, são exortações para o cultivo da virtude. Portanto, esses inimigos e obstrutores devem ser conhecidos como nossos professores, nossos lamas. Como foi dito antes, se pudermos passar por condições adversas para o desenvolvimento do amor e da compaixão para com os outros, especificamente, com a atitude de que “qualquer sofrimento similar ao meu que os outros seres tenham que enfrentar, que somente eu tenha que suportá-los”, então, as condições adversas, de fato, acabam por fomentar a prática do Dharma. Em particular, quando outras pessoas estão sendo agressivas com você, do seu ponto de vista, pode parecer agressão, mas se você olhar para o seu efeito final sobre a ótica do praticante, é como alguém dizendo: “Se você não sair do samsara, vai ter que lidar com essa situação novamente.” É uma exortação à renúncia e uma exortação à prática. Assim, a partir do próprio ponto de vista, e a partir do efeito final sobre você, as pessoas agressivas são realmente seus professores.

O décimo ponto é que uma vez que todas as coisas não têm a natureza inerente, devemos saber que todas as coisas, sem qualquer exceção que seja, possuem a mesma natureza, que é a quididade. Normalmente, na experiência de pessoas sem a realização da natureza ultima, há uma grande diferença entre as coisas, por um lado, que são distintas entre si, e por outro,  a natureza de todas as coisas, que é a mesma. Essa natureza é a ausência de uma essência as suas características. No entanto, quando essa mesma natureza é reconhecida, verifica-se que não existe qualquer diferença entre “coisas”, de um lado, que são distintas entre si e, de outro lado, a “natureza” de todas as coisas, que é a mesma. Essa natureza é a ausência de uma essência para suas características. Entretanto, quando essa natureza em si é reconhecida, vê-se que não há diferença entre as coisas e sua natureza.  O convencional e o absoluto são os mesmos, porque qualquer coisa é a expressão da sua natureza, e a natureza de cada coisa é a mesma. Portanto, uma vez que cada coisa exprime a mesma natureza, cada coisa em sua natureza é a mesma.

É isso que é para ser entendido aqui. Esta décima coisa a ser entendida é direcionado principalmente para praticantes experientes, que têm alguma realização, e para eles é algo não apenas para ser compreendido, mas para ser praticado e realizado. Para os iniciantes, é algo que deve ser entendido como um conceito ou uma ideia.

Estas são as dez coisas a serem conhecidas ou compreendidas. A compreensão dessas coisas que chega através do raciocínio inferencial, no contexto de estudo e reflexão, é bastante diferente da realização direta do seu significado, que só pode vir através da prática de meditação. Compreender por si só não é uma base suficiente para as decisões morais, para decidir o que aceitar e o que abandonar. Devemos saber a diferença entre um reconhecimento conceitual e a realização definitiva.