A Preciosa Guirlanda 14 – Cap 13 As quatorze coisas insensatas

Essas são as quatorze coisas insensatas.

  1. Ter obtido a existência humana e não se lembrar do santo Dharma é tão insensato quanto retornar de mãos vazias de uma ilha coberta de pedras preciosas;
  2. Tendo-se engajado na Via do Dharma, é insensato estabelecer-se como chefe de família: é agir como a mariposa que se precipita na chama;
  3. Viver ao lado de um praticante do Dharma e permanecer sem fé, é tão insensato como morrer de sede na beira de um lago;
  4. O Dharma não utilizado como antídoto ao apego egocêntrico e aos quatro principais atos nocivos é desprovido de sentido, como um machado abandonado, inutilizado, ao pé da árvore;
  5. Receber instruções orais liberadoras sem utiliza-las como antídoto às emoções perturbadoras é tão insensato como transportar, doente, um saco de remédios e não fazer uso deles;
  6. Aquele que, hábil no uso de metáforas, é incapaz de reconhecer o seu significado, é tão insensato como um papagaio recitando orações;
  7. Fazer oferendas com o produto de roubo ou escroqueria é insensato: é como lavar a pele de carneiro apenas com água;
  8. Causar mal aos outros seres com o objetivo de fazer oferenda as três (jóias) Raras e Sublimes (Budha, Dharma e Sangha) é tão insensato como oferecer a uma mãe a carne de seu filho;
  9. Modificar o comportamento, praticar a paciência e suportar a adversidade com a única finalidade de realizar, nesta vida, um fim egoísta é insensato: é comportar-se como o gato que espreita o rato;
  10. Realizar uma prática de Dharma de grande amplitude para obter respeito e boa reputação é tão insensato quanto trocar a jóia que realiza todos os desejos por roupas e comidas;
  11. Tendo recebido numerosos ensinamentos, deixar a mente em estado ordinário é mostrar-se tão insensato como o médico acometido por uma doença;
  12. Ter adquirido uma grande erudição em termos de instruções liberadoras sem ter realizado verdadeiramente a experiência da meditação é tão insensato como o homem rico não utilizar a chave de seu tesouro;
  13. Explicar aos outros o sentido de práticas sem tê-las internalizado é tão insensato como o cego que tanta guiar outros cegos;
  14. Tomar as experiências, frutos do emprego dos meios hábeis como sendo o resultado final da prática, sem procurar o sentido da verdadeira natureza de todas as coisas, é tão insensato quanto aquele que confunde latão e ouro.

 

AS quatorze coisas insensatas – Comentários de Khenpo Karthar Rimpoche

Em seguida, há quatorze coisas que são totalmente insensatas. A primeira delas é a de ter obtido um corpo humano, mas não lembrar ou pensar no Dharma. Isto é tão insensato como uma pessoa pobre que vai ao uma ilha coberta com diversos tipos de joias, mas parte da ilha de mãos vazias, sem levar nada.

Em segundo lugar, tendo entrado na porta do Dharma através da ordenação, para em seguida voltar à vida mundana é tão insensato quanto uma mariposa sendo atraída pela chama de uma vela e voar de encontro a ela.

Em terceiro lugar, para alguém sem fé, residir na presença de um grande mestre que é um verdadeiro tesouro do Dharma é tão inútil quanto alguém morrendo de sede na beira de um lago.

Em quarto lugar, saber muito sobre o  Dharma, porém não fazer com que o conhecimento levem à abandonar os quatro violações profundas da disciplina moral[1] ou tornar-se um antídoto para nossa postura egocêntrica é tão insensato como colocar um machado no tronco de uma árvore e não usá-lo para corta-la.

Em quinto lugar, as instruções que não são utilizados como um antídoto para os kleshas ou aflições mentais são tão insensatos como uma pessoa doente transportando um saco de remédios e não fazer uso deles.

Sexto, qualquer terminologia filosófica na qual treinamos o nosso discurso, mas que não foi absorvida em nosso contínuo mental é tão inútil quanto as recitações de um papagaio.

Sétimo, ter tomado algo que não é dado, por meio de furto, dominância, roubo, enganação ou dissimulação, e então dá-lo generosamente a outros ou usá-lo para fazer oferendas é tão inútil quanto pegar sua peça de roupa de pele de carneiro e afundá-la na água. Não é tão fácil de entender porque nós não temos tais coisas, mas uma peça de roupa de pele de carneiro que é preparada de forma tradicional pode ser suja, mas é macia. Se você tentar limpá-la colocando-a na água, quando ela secar se tornará dura rígida e totalmente inútil.

Oitavo, prejudicar seres sencientes e então oferecê-los às Três Joias é tão inútil quanto cortar em pedaços a carne de uma criança e então oferecê-la à mãe da criança. Isto refere-se a prática de sacrifício animal que era feita no Tibet antes do advento do Budismo. Não chamamos isto necessariamente de uma prática Bon, porque os Bonpos não fazem isto. Isto é algo que acontecia lá e ocasionalmente acontece em alguns lugares e mesmo atualmente. É considerado tão inútil oferecer tais coisas aos budas e bodisatvas quanto seria oferecer um corpo assassinado de um filho à sua mãe.

Nono, ser hipocritamente bom e paciente para satisfazer nossos próprios objetivos nesta vida é tão inútil quanto o comportamento suave de um gato esperando para saltar sobre um rato. Hipocrisia aqui se refere fingir ser moral quando não se é, e paciente refere à de esperar por uma oportunidade para se tornar rico ou atingir algum objetivo mundano. É como o cauteloso, suave e tranquilo comportamento de um gato que está tentando atrair um rato que ele quer matar.

Décimo, engajar em vastos atos de virtude para se tornar famoso ou rico ou honrado nesta vida é como trocar uma joia que realiza desejos por um pequeno bocado de farinha. Nós podemos fazer tais coisas como produzir e oferecer estatuas, ou outras coisas geralmente virtuosas, mas podemos fazê-lo apenas para ganhar o respeito de outros ou para atrair pessoas para que então possamos nos tornar ricos ou estimado dentro de uma comunidade. A virtude em si é como uma joia que realiza desejos, mas fazer tal coisa e dedicar para nosso próprio benefício é como trocar aquela joia a fim de obter uma refeição. Quando dedicamos o mérito que acumulamos para o benefício de todos os seres ele se torna inesgotável como uma joia que realiza desejos, mas não o dedicar devidamente é como trocar aquela jóia por algo que não durará muito tempo.

Décimo primeiro, recebendo uma grande quantidade de instruções, mas deixar a sua própria mente indomada é tão inútil quanto uma morte médica de uma doença incurável. A analogia não é muito exata ou óbvia aqui, mas o ponto é este: Se você aprendeu muito do Dharma, e colocou uma grande quantidade de tempo e esforço na aquisição de informações, mas não se empenhou em qualquer tempo em praticar, não vai ajudá-lo. Isso pode ajudar outra pessoa, mas não você. Isso é como a situação de um médico que está aflito por uma doença que não pode ser curada. Um médico é alguém que aprendeu muito, mas se ele ou ela tem um tipo de doença que a medicina não pode  responder, então não há nada que o médico possa fazer, não importa o quanto habilidoso ele ou ela seja na medicina. Não está se dizendo que há alguma coisa de errado em ser um médico, mas o ponto é que o estudo ou o próprio aprendizado não pode, por si só, mudar tudo.

Decimo Segundo, aprender nas instruções, mas não ter nenhuma experiência na pratica é como possuir um tesouro de riqueza a qual não se tem a chave.

Décimo Terceiro, ensinar Dharma quando não compreendeu o seu significado é tão inútil quanto para uma pessoa cega conduzir outra pessoa cega.

Decimo quarto, considerar a experiência que surge a partir de métodos de prática como supremo, e não para procurar genuína realização da natureza última da mente, é tão inútil quanto pegar um latão e dizer que é ouro. Isto se refere principalmente ao acúmulo de mérito[2]. Se você estiver satisfeito com o acúmulo de mérito e as experiências ou benefícios que surgem, e você não reconhecer a natureza de todas as coisas, então você não pode alcançar o verdadeiro estado de Buda. Assim, quando você se envolver em práticas de acumulação de méritos, é extremamente importante ter a intenção de acumular tal mérito, a fim de reconhecer a natureza ultima e atingir o estado de Buda completo. O ponto aqui é que o método, a acumulação de mérito, tem de ser combinada com a sabedoria, que neste caso é a compreensão profunda, por meio da experiência, do que você está buscando. Se método e sabedoria não estão unidos, a sua acumulação de mérito não é mais eficaz do que pegar uma pedra amarela ou pedaço de latão e supor que é ouro.

Essas são quatorze coisas que são totalmente inúteis ou insensatas. A função dessas instruções é para que você possa diferenciar entre o que é Dharma e o que não é, para ter uma ideia sobre como aplicar, como praticar, que tipo de motivação se deve ter, o que acontece quando a motivação está presente e o que acontece se a motivação não está.

[1] As quatro violações da conduta moral: matar, roubar, mentir, comportamento sexual incorreto.

[2] No mahayana é enfatizado que a prática da compaixão, descrita como um método ou um meio hábil, leva a acumulação de mérito. No vajrayana, as práticas em si também geram vasto mérito, e são descritas como método. Em ambos os casos é importante combinar método e sabedoria.